ENTREVISTA COM O REVERENDO SATANISTA ASHLEY S. PALMER
Imagine um Satanista, e você provavelmente imaginará alguém
vestido de preto, com capa preta e máscara, tomando parte num ritual sangrento
envolvendo sangue e animais mortos e um pentagrama invertido desenhado no chão com
giz. Em algum momento, seguindo esta visão, Satã sai do chão em meio a
labaredas de fogo e acaba com o mundo. No final das contas, um Satanista não é bem
o tipo de pessoa que você convidaria para jantar com seus pais.
Mas esse é o tipo de estereótipo que Ashley S. Palmer, um
reverendo da Igreja de Satã, quer derrubar.
Satanistas podem não soar como o tipo mais amigável, mas
este cara de 31 anos, que mora no sudeste da Inglaterra com sua esposa e filha
fica satisfeito ao explicar porque sua religião é mal-compreendida. Não tem
nada a ver com venerar demônios, ele ressalta. A religião, fundada há apenas 50
anos por um escritor e músico norte-americano, Anton Szandor LaVey, tem muito
mais a ver com ateísmo e com idéias libertárias de liberdade para perdoar, pontuada
com traços de pragmatismo maquiavélico.
Palmer falou com The Independent sobre como o satanismo
afeta seu dia-a-dia e o porquê de o feriado favorito dos satanistas ser dia de
seus aniversários.
Quantos anos você tem, onde você mora e qual seu papel na
Igreja de Satã?
Sou um empreendedor de 33 anos que mora na costa sudeste da
Inglaterra com sua esposa e filha. Como fundador da ASPculture.com, desenho e
crio produtos, e faço curadoria de exposições culturais para satanistas e
pagãos amigos no mundo todo.
Meu papel na Igreja de Satã cresceu organicamente com minha
paixão por essa filosofia, e prossegue fiel à propagação do satanismo como
elaborado por seu fundador, Anton Szandor LaVey. Essas atividades foram
reconhecidas pelo arcebispo Peter H. Gilmore como acréscimos efetivos e
autênticos à nossa visão de mundo, e fui ordenado bispo, do nada, devido a
esses esforços meritórios. De acordo com as bases Darwinianas sociais do satanismo,
tornar-se membro no bispado da Igreja de Satã somente ocorre por convite e é
estritamente meritocrático, afirmando o truísmo, “as ações falam mais alto do
que as palavras” e “se você tem que pedir, você não pode pagar”.
Não há deveres reservados aos membros do bispado, assim como
os níveis de envolvimento variam, dependendo do talento individual de cada
indivíduo e de circunstâncias únicas. Eu promulguei publicamente a filosofia e
estética satânicas, mas nem todos os bispos falam em nosso nome, e eles podem também
escolher manter sua filiação secreta, se isso se mostrar benéfico. Estratégias
maquiavélicas são particularmente prevalentes nos círculos profissionais devido
a conceitos errôneos acerca do satanismo.
Quando você ouviu pela primeira vez sobre satanismo e com
quantos anos se tornou satanista convicto?
Eu descobri sobre a Igreja de Satã e seus escritos pela primeira
vez por meu irmão mais velho. Crescemos ouvindo Black metal e death metal e
música industrial, e fomos naturalmente sendo levados a bandas que tinham
letras anti-cristo e que empregavam o imaginário satânico. Determinado a
aprender a origem e a filosofia do satanismo, meu irmão se debruçou sobre diversos
livros.
Meu irmão percebeu que tinha finalmente descoberto que a
fonte do satanismo foi minuciosamente escrita seguindo a filosofia de LaVey,
mas como eu tinha apoenas 10 ou 11 anos na época, ele preferiu me deixar
descobrir por mim mesmo, depois que lhe expressei o desejo sozinho, alguns anos
mais tarde.
Como um iniciante, naturalmente, estava cético sobre a
Igreja de Satã e assumi incorretamente, como a maioria o faz, que satanistas
eram membros de um culto de adoração ao demônio, e além disso estava feliz por
ser um ateu com uma atração pela estética satânica antes de ler qualquer
literatura oficial.
Por volta dos 13 anos, li A Bíblia Satânica e logo me
considerei um satanista. Percebi que o satanismo genuíno não tinha nada a ver
com o absurdo do demônio sobrenatural, que eu tanto temia, presentes nas letras
de death metal, ao contrário, era uma religião carnal pragmática e diferente, a
qual estava alinhada perfeitamente com meu ateísmo, meu ceticismo e minha visão
racional do mundo.
Aos 15 anos, como parte do meu trabalho de Inglês, dei uma
palestra sobre Satanismo e sobre a Igreja de Satã para uma palestra
surpreendentemente receptiva, na qual tentei extirpar a má informação com que
me deparava na mídia histérica de massa, e discuti os méritos inerentes ao
satanismo.
Muitos anos depois, já adulto e tendo ponderado sobre os
muitos aspectos da filosofia satanista, eu e minha esposa, oficialmente, nos
filiamos à Igreja de Satã.
Qual o maior erro que as pessoas cometem sobre o satanismo?
O maior e mais comum erro é o de que acreditamos e louvamos num
espírito antropomórfico ou espiritual chamado “Satã”, ou “demônio”. Isso é falso.
Nós, satanistas, somos ateus que adotaram “Satã” como símbolo de paixão,
liberdade e rebelião heróica segundo a tradição da poesia e da literatura de
temática proto-satânica de Giosuè Carducci, ord Byron, John Milton, Benjamin
DeCasseres, Mark Twain e outros que precederam a fundação da Igreja de Satã.
Arguindo que uma pessoa é ateia, deixa-se um especo imenso
para crer numa miríade de outras mentiras assustadoras não relacionadas à
existência de Deus(es), que são também normal e incorretamente chamados de Satanismo;
eu pretendo portanto esclarecer que conforme aplico o ferramental do ceticismo
científico para analisar e questionar criticamente tudo, eu simultaneamente
rejeito todas as formas de pseudo-ciência, espiritualidade New Age e o sobrenatural,
incluindo, mas não limitado: ao oculto, ao mágico, aos tabuleiros Ouija, ao
tarô, às divindades psíquicas, aos fantasmas, à imortalidade, a projeções
astrais, aos chacras, à cura pela fé, à astrologia e a teorias da conspiração.
Tudo isso é tão ridículo para mim quanto crer em Jesus ou em Shiva.
Quais são so núcleos filosóficos do satanismo?
Os conceitos filosóficos no coração do satanismo são
ateísmo, ceticismo científico, biologia evolucionária, darwinismo social,
individualismo heróico, meritocracia, Lei de Talião, hierarquia, pragmatismo,
estética, realismo romântico dark, humor, carnalidade, piedade epicúrica
equilibrada com vitalidade Espartana, uma vontade Faustiana para explorar
tecnologias de ponta temperadas pelo respeito pelo passado, e uma paixão pela
natureza e pela vida selvagem.
Pode-se achar um conceito comum aproximado com Ragnar
Redbeard, Friedrich Nietzsche, H. L. Mencken, Ayn Rand, Jack London e H. P.
Lovecraft: todos eles eram conhecidos como influências do satanismo. A visão do
Dr. LaVey para sintetizar várias escolas de pensamento com suas idéias originais
e simbolismos, desenvolveram-se numa filosofia poderosa e inteiramente única, e
numa religião para não religiosos, que continua a inspirar e crescer após mais
de 50 anos desde sua criação.
Como se parece uma pessoa satanista?
A Igreja de Satã mantém toda informação sobre seus membros
privada, mas baseado em minhas interações off line e on line, eu observei
demografias similares à dos ateus em geral. A maioria dos satanistas parecem
ser homens, entre 20 e 45 anos de idade, embora eu tenha encontrado
pessoalmente muitas mulheres satânicas acima dessa faixa etária.
Como ser satanista afeta sua vida cotidiana? Você usa as
Leis Satânicas como orientação, por exemplo? Há cerimônias ou rituais?
Como satanista, poderíamos dizer que o satanismo permeia
todos os aspectos da vida diária, mas para mim isso é tão natural como
respirar, e é um processo amplamente inconsciente e um resultado por seguir
meus instintos e paixões. Rituais satânicos não são um requisito para o
satanismo e deve ser usado como uma ferramenta catártica opcional para aqueles
que obtêm ganhos psicológicos a partir de cerimônias estruturadas do tipo
presentes nos textos. Como minhas atividades profissionais mexem muito com princípios
e conceitos do satanismo, eu pude perceber pessoalmente que essas buscas
criativas, além da disciplina do treino dedicado diário, são formas efetivas de
“rituais” que provêm estímulos suficientes, alívio do estresse e satisfação, as
quais me permitem poupar a ritualização satânica formal para ocasiões
extremamente raras e especiais. Por meio de desenhos, roupas e adereços que criei
para o ASPculture.com, estou apto para direcionar minhas visões únicas e gostos
estéticos para trazer a mim e aos outros satanistas ao redor do Globo o prazer e
a inspiração, por meio de objetos tangíveis.
Há feriados satanistas, por exemplo algo comparável ao
Natal?
Satanistas estão livres para comemorar feriados sagrados ou
não, como quiserem, embora para a maioria, como os egoístas, seu próprio
aniversário é naturalmente considerado o feriado mais importante do ano.
Não há requisitos para celebrar feriados, mas como alguém
que abraçou a ciência, a natureza e as tradições pré-crstãs e pan-européias, eu
tendo a internalizar e observar o equinócio de inverno, Ostara, Walpurgisnacht,
a fundação da Igreja de Satã, solstício de verão, equinócio de outono, Hallowen
e Yuletide, solstício de inverno, Saturnalia e Noite de Ano Novo.
As Leis Satânicas parecem bastante razoáveis. Onde ela
estabelece que “agir cruelmente” ou “destruir a si mesmo”, é para se
interpretar literalmente? Não parece haver muito espaço para negociação. Qual a
filosofia subjacente?
Essas partes do “As 11 Leis Satânicas da Terra” são
conclusões naturais de nosso reconhecimento de que o homem é um animal cuja lei
maior é a auto-preservação. Como darwinistas sociais, aderimos à filosofia de vingança
de que “poder é um direito”, e a apoiar a idéia de justiça por meio da Lei de
Talião, um aspecto do qual pode ser compreendido pelo brocardo coloquial “olho
por olho”. Satanistas pretensamente tímidos com freqüência tentam satanizar a
linguagem do Dr. LaVey, mas a intenção de seus ensinamentos é óbvia e pode ser
tida literalmente, dependendo do que se discute e da seriedade das
circunstâncias.
Obviamente se alguém se aproxima de você na rua, de uma
maneira não ameaçadora, e se mantém te incomodando apesar de você lhe pedir
para parar, destruir fisicamente essa pessoa seria uma resposta irracional,
arriscada e ilegal. Mas você pode destrui-lo simbolicamente com seus palavras
ou apenas o ignorando e o deixando sozinho. Entretanto, se houver uma ameaça
legítima e sua vida depende disso, então
destruir literalmente quem te ameaça é um ato de defesa própria, pode ser
completamente racional, como u único curso de ação possível para evitar a
morte. Contudo, é importante notar que conforme estritamente admitido pela lei
e pela ordem, pedimos que cada satanista opere dentro dos parâmetros legais de
seu país, seja qual for sua situação.
Como o satanismo se justapõe ao libertarianismo?
Assim como satanistas estão livres para se alinhar com
qualquer ramo da política, ou se manter apolítico se assim desejarem, há muitos
membros anarquistas e libertários na Igreja de Satã. Sinto ser impróprio
injetar muito da visão política de uma pessoa em discussões quando
representante da Igreja de Satã, mas, como a visão política do Dr. LaVey está
incrustada implícita e explicitamente na filosofia satanista, devo procurar mediar
libertarianimo em oposição a satanismo de um ponto de vista mais objetivo.
Capitalismo-anárquico e libertarianismo geralmente parece
mais condincente com os idéias satanistas. H. L. Mencken, um dos primeiros
americanos a se identificar como libertário, ao lado de uma amiga de viagem,
Ayn Rand, foram influentes na filosofia do dr. LaVey e no satanismo,
particularmente na sua defesa do individualismo heróico e na rejeição da
religião, no misticismo, e no sobrenatural em geral.
Um ponto de partida entre satanismo e libertarianismo que
pude perceber, é que muitas escolas de pensamento libertário têm uma visão
errada da natureza humana. Isso parece surgir em parte da crença na teoria da tábula
rasa pseudo-científica, a qual prega que cada pessoa nasce como uma “folha em
branco” sem diferenças biológicas inatas. Essa noção falsa leva muitos libertários
a concluir que todos os humanos têm habilidade potencial igual e são livres
para se tornarem dominadores de qualquer campo do conhecimento, desde que lhe
sejam dadas as oportunidades e necessidades educacionais necessárias. Esta
utopia do potencial humano é infelizmente irreal e não satânica. Satanismo está
ao lado das descobertas científicas e da evolução biológica, e reconhece que o
mundo natural é estratificado, talento excepcional e genialidade são raros, e o
universo não está nem aí...
Rubem L. de F. Auto