Após seu fatídico suicídio, o vice presidente Café Filho sucedeu
a Vargas na Presidência da República. Nas ruas, a proximidade da campanha
eleitoral já levava o povo a cantar pelas ruas a canção de campanha do
candidato preferido do povo, Juscelino Kubitschek, do PSD:
“Juscelino Kubitschek é o homem.
Vem de Minas, das bateias do sertão.
Juscelino, Juscelino é o homem
Que, além de patriota, é o nosso irmão.
Brasil, vamos para as
urnas.”
A eleição de 1955 foi ganha por JK, sendo João Goulart
eleito vice, exibindo mais de 600 mil votos além dos de JK: a eleição de
presidentes e vices ocorriam em fichas separadas.
Em 1958, iniciou-se um movimento musical no Rio de Janeiro
que ganharia o mundo, de uma maneira inédita até então. Em Copacabana e em
outras partes da zona sul do Rio de Janeiro, jovens boêmios, sorvendo copos de
uísque e tragando cigarros, freqüentadores dos inferninhos e boates que ali se
instalavam, puseram um fim às “dores de cotovelo” dos anos 1950. Deixavam para
trás a era dominada por Dolores Duran, Antônio Maria e Maysa.
Aquele ano de 1958 foi o do lançamento do LP Canção do Amor
Demais, de Elizath Cardoso. Esta obra clássica trazia entre suas faixas a
canção “Chega de saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. No ano seguinte,
João Gilberto, músico que desenvolveu um novo ritmo ao violão, regravaria o
clássico inaugural:
“Chega de saudade!
A realidade é que sem ela
Não há paz,
Não há beleza,
É só tristeza e a melancolia...”
O frenesi trazido pelo novo estilo musical se somou a anos
de euforia na economia: o Brasil crescia 10% a.a., a população consumia cada
vez mais automóveis, televiasão, geladeira, rádio, toca-discos, ares-condicionados...
O Rei do Futebol surgia nos gramados, Garrincha enlouquecia as torcidas, fomos
Campeões do Mundo de futebol pela primeira vez... A trilha sonora era a música
de Wagner Maugeri, Maugeri Sobrinho, Victor Dagô e Lauro Muller, “A Taça do
Mundo é Nossa”:
“O brasileiro, lá no estrangeiro,
Mostrou o futebol como é que é,
Ganhou a Taça do Mundo
Sambando com a bola no pé.”
Esse foi o governo “bossa nova”, liderado pelo presidente
bossa-nova, expressão criada por Juca Chaves, compositor e humorista, para sua
canção “Presidente Bossa-nova”:
“Bossa-nova mesmo é ser presidente
Desta terra descoberta por Cabral.
Para tanto, basta ser tão simplesmente
Simpático, risonho, original.”
Em 1968, JK tornou públicos seus gostos musicais no disco “JK
em Serenata”. Fã do cantor Paulo Marques, JK gosta de “Apesar de você”, de
Chico Buarque, “Fascinação”, cantada por Carlos Galhardo. “Peixe vivo” era sua
canção favorita:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?”
Em meio a tantas realizações, uma se destacou sobremaneira:
a construção de Brasília. Tendo como objetivo levar o desenvolvimento ao
interior do país, a nova capital, inaugurada em 1960, traçava um abismo entre a
população e a classe política. Até então, nas ruas do Rio, o povo encarava
frequentemente seus eleitos. Bares, restaurantes, cinemas qualquer lugar
poderia ser cenário para alguém cobrar seus direitos. Agora, todos deveriam se
deslocar até o cerrado, incluindo os trabalhadores candangos, como bem cantava
Jackson do Pandeiro, em “Homenagem À construção de Brasília”:
“Quem tiver de malas prontas
Pode ir que se dá bem.
Leve todos cacarecos,
Leve seu xodó também.”
Os anos de crescimento foram acompanhados pela inflação que,
em sentido contrário, tirava o poder de compra do trabalhador. Em 1959, Miguel
Gustavo compôs uma música que tocava nesse tema, “Dá um jeito nele, Nonô”,
cantada pelo palhaço Carequinha, fazendo uso do apelido de infância do
presidente:
“Dá um jeito nele, Nonô.
Meu dinheiro não tem mais valo,
Meu cruzeiro não vale nada,
Já não dá nem pra cocada.”
Embora em proporções diferentes, a classe média brasileira
mergulhava na onda do consumismo à “american way of life”, o que vinha
acompanhado pela ampliação do crédito. As críticas a esse jeito de viver não
tardaram: as relações sociais se tornavam superficiais, interesseiras, só se
pensava no seu conforto e na aquisição de bens materiais. O vazio existencial
resultante levou a novos costumes e valores.
No campo da música, essa contracultura levou ao surgimento
do rock`n roll, que rapidamente invadiu o Brasil. Aqui, o rock era um estilo
musical curtido pela classe média, isto é, quem tinha condições financeiras de
adquirir, discos importados, revistas estrangeiras, livros, ir a shows e
adquirir uma guitarra.
O ritmo foi lançado no Brasil por uma garota chamada Celly
Campello, cantando uma versão em português de “Stupid Cupid”, produzida por
Fred Jorge e chamada Estúpido Cupido, lançada em 1959:
“Ó, ó! Cupido, vê se deixa em paz
Meu coração que já não pode
amar.
Hei, hei, é o fim.
Ó, ó, Cupido, pra longe de mim.”
Alguns músicos se especializaram
em fazer versões brasileiras de músicas estrangeiras. Um deles, que ficou
conhecido como o Rei do Rock, era o cantor Sérgio Murilo.
As eleições de 1960 ocorreram em
meio a uma profusão musical, que misturava rock, bossa nova, forró. O candidato
eleito foi o professor Jânio Quadros, lançado candidato por um pequeno partido,
mas que galgara o apoio da UDN. Concorria principalmente com o marechal
Henrique Teixeira Lott, ministro da guerra de JK e que tinha o apoio do PTB e
do PSD.
Jânio era a síntese do que veio
a ser conhecido como o “anti-político”: fazia campanha falando em moralidade,
em prender corruptos, em colocar funcionário público para trabalhar; vendia-se
como moderno, eficiente. Seu símbolo de campanha era uma vassoura “para varrer
a bandalheira”. Pois bem, agradou o eleitor. Agradou a elite também, pois era
anticomunista e conservador.
Para sua vitória, Luiz Gonzaga e
Lourival Passou compuseram “Alvorada da paz”:
“Jânio Quadros, tu és
presidente.
Norte e sul, a nação unirás.
No Planalto te quer tanta gente,
Novo sol, alvorada da paz.”
Uma vez instalado no governo, transformou-se
numa piada pronta: preocupava-se com amenidades, em vez do diálogo, adotou o
hábito de distribuir bilhetinhos, proibiu lança-perfume no carnaval, vetou
brigas de galo, proibiu corridas de cavalos em dias úteis... E proibiu o suo de
biquínis. Talvez ele tivesse problemas com a Ana Maria:
“Era um biquíni de bolinha amarelinha
tão pequenininho,
Mal cabia na Ana Maria.
Biquíni de bolinha amarelinha
tão pequenininho
Que na palma da mão se escondia.”
Em meio aos ataques, a UDN
resolveu romper com o governo e Carlos Lacerda denunciou que Jânio pretendia
dar um golpe e assumir poderes absolutos. Se estava certo ou não, o fato é que
Quadros deixou um bilhete de renúncia, datado de 25 de agosto de 1961. Ninguém
se manifestou.
Fato contínuo, renunciando o presidente,
assume o seu vice. Mas aquele vice dava calafrios nas pessoas mais
conservadoras. Naquele momento, João Goulart estava na China, estabelecendo
contatos diplomáticos. Fez-se de tudo para que ele não retornasse ao país, a
despeito do que dizia a Constituição.
O governador do Rio Grande do
Sul, Leonel Brizola, do PTB, formou então a chamada “Cadeia da Legalidade”,
segundo a qual usava uma emissora de rádio para convocar o povo a garantir a
posse do presidente de direito. As transmissões começavam com o “Hino da Legalidade”,
de Paulo César Pereio, Lara de Lemos e Demóstenes Gonzáles:
“Protesta contra o tirano,
Recusa a traição,
Que um povo só é bem grande
Se for livre sua nação.”
Jango somente foi autorizado a
retornar ao Brasil após ter-se tomado uma solução pacificadora: instituiu-se o
Parlamentarismo no Brasil, em setembro de 1961, e assim retirou-se muito poder
do presidente. Nesse período, ganhou fama a canção “Que rei sou eu?”, de
Herivelton Martins e Waldemar Ressurreição:
“Que rei sou eu
Sem reinado e sem coroa
Sem castelo e sem rainha?
Afinal que rei sou eu?”
Em janeiro de 1963, o povo votou
pelo retorno do presidencialismo. Poderes retomados, agora Jango queria ver
suas Reformas de Base aprovadas: investimentos em educação, reforma agrária,
urbana e eleitoral.
A oposição respondeu às
iniciativas do governo convocando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
Milhares saíram às ruas protestar contra o comunismo e pedir a destituição de
Jango. A multidão cantava: ”Um, dois, três, Brizola no xadrez. E se tiver
lugar, põe também o João Goulart.”
Em 31 de março de 1964, uma
série de rebeliões em quartéis levou ao levantes da Forças Armadas contra o
governo. Jango não conseguiu reagir, retornou a Brasília e deixou o país em
direção ao exílio no Uruguai.
Os militares tomaram o poder,
fecharam sindicatos, jornais tiveram a circulação proibida, universidades se
esvaziaram; a rádio Mayrink Veiga, que ecoava as vozes do governo Jango no Rio
de Janeiro, foi fechada.
Nessa época foi composta uma
música que só poderia ir ao ar na década de 1980: “Simca Chambord”, de Marcelo
Nova, Gustavo Mullen, Karl Hummel e Marcelo Cordeiro:
“O presidente João Goulart
Um dia falou na TV
Que a gente ia ter muita grana
Para fazer o que bem entender.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República
Cantada: do choro ao funk...”
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