A proclamação da República de 1889 aconteceu de supetão. Não
havia bandeira, nem hino, símbolos formais da nova era. A nova bandeira foi
confeccionada segundo a ideologia apregoada pelos líderes do golpe contra o
Império: o positivismo – o lema “Ordem e Progresso” sintetizava bem a idéia.
Já o hino da República foi importado da França: a
Marselhesa, composta por Rouget de Lisle, foi o som que embalou os republicanos
tupiniquins assim como havia feito com os revolucionários franceses. Ganhou até
uma versão em português:
“Livre ser!
Livre feito!
Clama nosso peito!
Clama nosso peito!
Como um trovão desfeito!
Vivam, vivam, vivam os marciais,
Fortes, leais!
Vivam, vivam, os marciais!”
Mas esses versos não agradaram muito os brasileiros. Dois
meses após, abriu-se concurso para escolher o novo hino. O problema é que havia
uma ala bastante numerosa que preferia o hino anterior, da época do império,
composto pelo maestro Francisco Manuel. E um dos grandes entusiastas dessa tese
era, de fato, o próprio Marechal Deodoro. Foi o suficiente: Deodoro baixou
decreto oficializando o hino anterior como o novo hino da República. No começo
do século XX este hino recebeu letra do poeta Joaquim Osório Duque Estrada, aquela
que conhecemos até hoje.
De qualquer maneira, o tal concurso ocorreu e o vencedor foi
o hino composto por Medeiros e Albuquerque e Leopoldo Augusto Miguez. Como
prêmio de consolação, a obra da dupla se tornou nosso hino da Proclamação da
República:
“Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas, na tempestade,
Dá que ouçamos tua voz!”
Embora a proclamação da república tivesse sido o típico
movimento das elites, distante do povo, completamente alienado dos fatos em curso,
nos teatros a reação foi mais calorosa. Os irmãos Arthur e Aluísio Azevedo
lançaram, em 1890, a peça “A República”, a qual continha a canção “As Laranjas
de Sabina”, uma das primeiras gravações do Brasil. Segue um trecho:
“Sem banana, macaco se arranja.
E bem passa monarca sem canja.”
Percebe-se claramente a ironia com o prato predileto de D.
Pedro II, a canja de galinha.
A peça “A República” reunia diversos estilos musicais:
tango, polca, maxixe. Esta última agradava a elite, mas enlouquecia o povão,
chegando a ser comparada com a lambada paraense, surgida nos anos 1890. Um dos
grande sucessos do estilo foi a composição de Sinhô “Cassino Maxixe”.
O futuro presidente da República, marechal Hermes da Fonseca,
viveria um entrevero por causa do maxixe. Em 1906, quando o ministro alemão Von
Reichau, em visita ao Rio, com sua delegação, foi visitar Santa Cruz, a Banda
do Exército os recepcionou tocando as marchas militares clássicas. No final, o
ministro alemão pediu ao maestro que tocassem uma música típica brasileira.
Então a banda passou a tocar o maior sucesso daquele tempo, música mais
executada no carnaval daquele ano, ouvida em bares, teatros, clubes: o maxixe “Vem
cá, mulata!”, composta por Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre:
“Vem cá, mulata!
Não vou lá, não!
Sou democrata,
Sou democrata,
Sou democrata
De coração.”
O marechal quase explodiu de raiva, ainda que percebesse a
alegria que brotava no semblante do ministro alemão. Alguns dias depois baixou
portaria proibindo as bandas militares de tocarem maxixe.
Bom. Após a proclamação da República, o marechal Deodoro
assumiu o posto de presidente provisório. Nesse cargo, seguiu o script clássico
dos líderes golpistas: fechou o Congresso, perseguiu adversários.
Em 1890, foi eleito novo Congresso, com a missão de criar a
nova Constituição. Agora Deodoro era eleito presidente por eleição indireta. O
vice, votado em separado, foi o oposicionista marechal Floriano Peixoto. A nova
Constituição concedeu o direito ao voto aos cidadãos, desde que não fossem
menores de 21 anos, ou analfabetos, ou mulheres, ou soldados, ou padres...
Enfim, cerca de 95% estavam excluídos.
Deodoro sagrou-se pela fisiologia: choviam nomeações de
parentes, amigos, aumentou vertiginosamente o soldo dos militares, concedeu
pensões mais do que generosas a dependentes de militares... A expressão “virar a
casaca” era a ordem do dia, com civis de todos os matizes querendo ingressar na
carreira militar. A peça “O tribofe”, de Arthur Azevedo tentava dar uma
dimensão dos acontecimentos:
“Na política, há muito tribofe,
Muito herói que não sente o que diz.
E que quer é fazer regabofe,
Muito embora padeça o país!”
Em 1891, era proclamada a nova Constituição republicana.
Outro acontecimento importante daquele ano foi a chegada ao Brasil do tcheco
Fredrico Figner, caixeiro-viajante que iniciou a indústria musical no Brasil. Em
1900, após a chegada ao Brasil dos primeiros gramofones, ele abriu as portas da
Casa Edison, na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Ali passou a comercializar e
gravar registros musicais. Em 1913, a Odeon inaugurou a primeira fábrica de discos
do país. Rapidamente o Brasil se tornaria um dos principais mercados
fonográficos do mundo.
Inicialmente as gravações eram sofríveis, tendo os cantores e
músicos de imprimir mais potência para que fosse feito o registro correto de
suas músicas. Mas em 1927, com a chegada dos microfones elétricos, a tarefa
seria facilitada sobremaneira.
O período Deodoro foi marcado pelo caos: Congresso fechado,
clima de guerra civil nas ruas. O marechal foi obrigado a renunciar à
Presidência em nome de seu vice. Este, por sua vez, reabriu o Congresso, mas
imprimiu mudanças que lhe permitiram alcançar o fim do mandato. Inicialmente
ele conseguiu que o Congresso se calasse, voluntariamente: em 21 de janeiro de 1892,
Senado e Câmara decidiram por ampla maioria suspender seus trabalhos, até que
Floriano decidisse quando poderiam retomá-los. O senador Saldanha Marinho disse
sua famosa frase: “Não era essa a República dos meus sonhos.”
O embate entre a ala que apoiava Floriano e seus opositores,
aliados de Deodoro e Marinha, levaram a explosão da Revolta da Armada de 1893. A
reação virulenta de Floriano, levando à criação de seu eterno apelido: Marechal
de Ferro. Este também era o título da canção composta por Eduardo das Neves:
“Quando ele apareceu, altivo e sobranceiro,
Valente com as armas, beijando o pavilhão,
A pátria suspirou, dizendo: “Ele é guerreiro,
É Marechal de Ferro, escudo da nação.”
Outro romance marcante, que explorou os acontecimentos desse
período, foi a obra de Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Apoiador
do lado de Deodoro, o major Policarpo Quaresma foi sentenciado ao fuzilamento
no paredão por denunciar as atrocidades do governo e, portanto, ter agido como
um traidor.
Mas antes disso tudo, o major do romance nutria o sonho de
ter aulas de violão com o compositor Ricardo Coração dos Outros, outro
personagem do romance. O próprio livro traz à baila o que a sociedade pensava
sobre o instrumento musical: Mais não foi preciso pôr na carta, a vizinha
concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. ‘Mas que coisa! Um homem tão
sério metido nessas malandragens.”
O major morreu, mas o tal instrumento que ele tanto
admirava, décadas após, seria alçado ao status de mania nacional, após os
jovens da bossa nova consagrarem seu uso.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República Cantada: do choro ao funk...”
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