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quarta-feira, 4 de abril de 2018

MPB: MÚSICA, PRETOS E BAILES – CANÇÕES DO IMPÉRIO


Em 1965, o samba-enredo da Escola de Samba carioca Império Serrano fazia um pequeno relato de momentos fundamentais na história da música feita no Brasil. Chamava-se “Cinco Bailes da História do Rio”, fora composto por Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira e Bacalhau e assim era cantado:

"Carnaval, doce ilusão
Dê-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução
Quero sentir nas asas do infinito
Minha imaginação
Eu e meu amigo Orfeu
Sedentos de orgia e desvario
Cantaremos em sonho
Os cinco bailes da história do Rio

Quando a cidade completava
Vinte anos de existência
O nosso povo dançou

(aqui é citado o primeiro baile, ainda nos anos da fundação da cidade)

Em seguida era promovida a capital
A corte festejou

(o segundo momento fala da promoção da cidade do Rio a capital do Brasil colônia)

Iluminado estava o salão
Na noite da coroação
Ali no esplendor da alegria
A burguesia fez sua aclamação
Vibrando de emoção

(terceiro momento, a coroação tardia de D. João VI, como rei do Império)

O luxo, a riqueza imperou com imponência
A beleza fez presença
Comemorando a Independência

(o quarto momento, a Independência do Brasil)

Ao erguer a minha taça
Com euforia
Brindei aquela linda valsa
Já no amanhecer do dia
A suntuosidade me acenava
E alegremente sorria
Algo acontecia
Era o fim da monarquia
Lá rá rá lá rá rá rá rá

(quinto momento, o fim do Império, marcado pelo Baile da Ilha Fiscal)"


Esse baile, acima citado, ocorreu em 9 de novembro de 1889, no palácio da Ilha Fiscal, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Foi uma festa para milhares de convidados, cujo motivo oficial era homenagear os oficiais da Marinha chilena a bordo do navio Almirante Cochrane. Custou uma fortuna equivalente a 10% do orçamento anual da Província do Rio de Janeiro, todos os barcos usados para transportar os convidados traziam as bandeiras do Brasil e do Chile , a recepção ocorria ao som da Banda do Arsenal de Guerra, que executava o hino “Chile-Brasil”, composto especialmente para a ocasião pelo maestro Francisco Braga, mesmo compositor do hino à bandeira, ao lado do poeta Olavo Bilac.

Aliás, D. Pedro II, icônico amante das artes, também tinha apreço musical. Criou a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, era admirador do compositor alemão Richard Wagner e concedeu fundos públicos para que o maestro Carlos Gomes compusesse a ópera imortal O Guarani.

Um dos capítulos mais importantes da história do Brasil foi a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, dando o ponta-pé para nossa transformação de colônia em nação independente. Pois bem, dentre tantas novidades que aqui desembarcaram junto com a família real, destacavam-se as danças – mas apenas delas caíram no gosto popular: a quadrilha e a valsa.

A quadrilha surgiu na França, era comumente a dança de abertura dos bailes da corte. Somente de se incorporar nas tradições populares ganhou o atual papel de dança típica das festas juninas.
A valsa, dança de salão praticada em todo o mundo ocidental, manteve-se forte no século XX, sendo a dança predileta das festas de debutantes.

Contudo, ao lado dessas danças bem recatadas, chegou por aqui também uma dança que se notabilizava pela sensualidade, preferida dos casais mais fogosos: a polca. Dançada com os corpos coladinhos, desembarcou aqui na segunda metade do século XIX.

As últimas décadas do século XIX viram o nascimento de um dos símbolos musicais brasileiros: o choro. Diretamente derivado da interpretação que aqui se fazia de músicas estrangeiras, possuía uma base formada por quatro instrumentos musicais: a flauta, o cavaquinho e dois violões. Seus instrumentistas, conhecidos como chorões, tocavam em todo tipo de lugar: estalagens, cortiços, festas familiares... Notabilizavam-se pelo aprumo técnico, eram músicos de extraordinário talento e arregimentaram pérolas da nossa música: o flautista Joaquim Callado, considerado o Pai dos Chorões e fundador do primeiro grupo do gênero, o Choro do Callado – ou Choro Carioca; posteriormente brilhariam Patávio Silva, Pixinguinha, Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho.

Voltando ao baile da Ilha Fiscal. Além da Banda do Arsenal, animava o evento a Banda da Polícia, que tocava no Largo do Paço para os barrados no baile – como Bernardina, filha do professor Benjamin Constant, que seria um dos principais personagens do golpe que pôs fim ao Império brasileiro.
Nos anos seguintes, muitas das danças de salão executadas no último baile do império foram se incorporando aos costumes populares, em geral associados à cultura negra: o lundu,  conhecido há muito nas fazendas, foi para as cidades junto com os escravos libertos, onde se fundiu com gêneros europeus e assim conformaram a base da canção brasileira. Batizado de lundu-canção, também deu origem a letras de duplo sentido, como na letra de “Isto é bom”, de Xisto Bahia, de 1902:

“O inverno é rigoroso,
Bem dizia a minha avó.
Quem dorme junto sente frio,
Quanto mais quem dorme só.
Isto é bom, isto é bom,
Isto é bom que dói.”


Outro estilo musical muito presente nas décadas do Império eram as modinhas cantadas ao violão, nos salões da corte, ou nas casas simples, às vezes até mesmo nas ruas. A riqueza musical desse período está descrita na obra Viola de Lereno, do padre Caldas Barbosa, filho de um funcionário real português com uma escrava angolana.
A importância da modinha para a cultura musical brasileira ficou patente na obra Memórias de um Sargento de Milícias, cujo personagem Leonardo, antes de se tornar o tal sargento do título, subia o morro da Conceição, no Rio de Janeiro, para ouvir a mulata Vidinha desfilar suas lindas modinhas a seus ouvintes – o que, aliás, criou-lhe problemas com o major Vidigal, responsável por “pôr ordem no local”. Por exemplo:

“Se os meus suspiros pudessem
Aos teus ouvidos chegar,
Verias que uma paixão
Tem poder de assassinar.”


A elite política brasileira também deu sua contribuição ao nosso universo musical. D. Pedro I compunha modinhas, cantava bem e também foi co-autor do Hino da Independência, ao lado de Evaristo da Veiga.
Em 1854, o marquês de Sapucaí – ainda vivo, não era nome da rua que serve anualmente como passarela do samba -, ao lado do escritor José de Alencar e de muitos outros intelectuais, fundou o Congresso das Sumidades Carnavalescas, já visando às comemorações dos dias de carnaval. O objetivo era realizar uma festa popular mais organizada e civilizada do que o repugnante entrudo, praticada desde a época da colônia e famoso pelos banhos de urina misturada com limão e pelos banhos de lama.

Os clubes carnavalescos logo se esmeravam em compor músicas que discutissem os grandes temas nacionais: abolição da escravatura, república versus império etc.

Com o fim do império e a chegada da República, um novo ritmo surgiria nas paradas de sucesso: o maxixe. Inclusive o historiador José Murilo de Carvalho seria levado a entalhar a repetida expressão “República do maxixe doido”.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A República Cantada: do choro ao funk, a história do Brasil através da música”  


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