Em 1965, o samba-enredo da Escola de Samba carioca Império
Serrano fazia um pequeno relato de momentos fundamentais na história da música
feita no Brasil. Chamava-se “Cinco Bailes da História do Rio”, fora composto
por Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira e Bacalhau e assim era cantado:
"Carnaval, doce ilusão
Dê-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução
Quero sentir nas asas do infinito
Minha imaginação
Eu e meu amigo Orfeu
Sedentos de orgia e desvario
Cantaremos em sonho
Os cinco bailes da história do Rio
Quando a cidade completava
Vinte anos de existência
O nosso povo dançou
(aqui é citado o
primeiro baile, ainda nos anos da fundação da cidade)
Em seguida era promovida a capital
A corte festejou
(o segundo momento
fala da promoção da cidade do Rio a capital do Brasil colônia)
Iluminado estava o salão
Na noite da coroação
Ali no esplendor da alegria
A burguesia fez sua aclamação
Vibrando de emoção
(terceiro momento, a
coroação tardia de D. João VI, como rei do Império)
O luxo, a riqueza imperou com imponência
A beleza fez presença
Comemorando a Independência
(o quarto momento, a
Independência do Brasil)
Ao erguer a minha taça
Com euforia
Brindei aquela linda valsa
Já no amanhecer do dia
A suntuosidade me acenava
E alegremente sorria
Algo acontecia
Era o fim da monarquia
Lá rá rá lá rá rá rá rá
(quinto momento, o fim do Império, marcado pelo Baile da
Ilha Fiscal)"
Esse baile, acima citado, ocorreu em 9 de novembro de 1889,
no palácio da Ilha Fiscal, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Foi uma
festa para milhares de convidados, cujo motivo oficial era homenagear os
oficiais da Marinha chilena a bordo do navio Almirante Cochrane. Custou uma
fortuna equivalente a 10% do orçamento anual da Província do Rio de Janeiro,
todos os barcos usados para transportar os convidados traziam as bandeiras do
Brasil e do Chile , a recepção ocorria ao som da Banda do Arsenal de Guerra,
que executava o hino “Chile-Brasil”, composto especialmente para a ocasião pelo
maestro Francisco Braga, mesmo compositor do hino à bandeira, ao lado do poeta
Olavo Bilac.
Aliás, D. Pedro II, icônico amante das artes, também tinha
apreço musical. Criou a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, era
admirador do compositor alemão Richard Wagner e concedeu fundos públicos para
que o maestro Carlos Gomes compusesse a ópera imortal O Guarani.
Um dos capítulos mais importantes da história do Brasil foi
a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, dando o ponta-pé
para nossa transformação de colônia em nação independente. Pois bem, dentre
tantas novidades que aqui desembarcaram junto com a família real, destacavam-se
as danças – mas apenas delas caíram no gosto popular: a quadrilha e a valsa.
A quadrilha surgiu na França, era comumente a dança de
abertura dos bailes da corte. Somente de se incorporar nas tradições populares
ganhou o atual papel de dança típica das festas juninas.
A valsa, dança de salão praticada em todo o mundo ocidental,
manteve-se forte no século XX, sendo a dança predileta das festas de debutantes.
Contudo, ao lado dessas danças bem recatadas, chegou por
aqui também uma dança que se notabilizava pela sensualidade, preferida dos
casais mais fogosos: a polca. Dançada com os corpos coladinhos, desembarcou
aqui na segunda metade do século XIX.
As últimas décadas do século XIX viram o nascimento de um
dos símbolos musicais brasileiros: o choro. Diretamente derivado da
interpretação que aqui se fazia de músicas estrangeiras, possuía uma base
formada por quatro instrumentos musicais: a flauta, o cavaquinho e dois
violões. Seus instrumentistas, conhecidos como chorões, tocavam em todo tipo de
lugar: estalagens, cortiços, festas familiares... Notabilizavam-se pelo aprumo
técnico, eram músicos de extraordinário talento e arregimentaram pérolas da
nossa música: o flautista Joaquim Callado, considerado o Pai dos Chorões e
fundador do primeiro grupo do gênero, o Choro do Callado – ou Choro Carioca;
posteriormente brilhariam Patávio Silva, Pixinguinha, Benedito Lacerda e
Altamiro Carrilho.
Voltando ao baile da Ilha Fiscal. Além da Banda do Arsenal,
animava o evento a Banda da Polícia, que tocava no Largo do Paço para os
barrados no baile – como Bernardina, filha do professor Benjamin Constant, que
seria um dos principais personagens do golpe que pôs fim ao Império brasileiro.
Nos anos seguintes, muitas das danças de salão executadas no
último baile do império foram se incorporando aos costumes populares, em geral associados
à cultura negra: o lundu, conhecido há
muito nas fazendas, foi para as cidades junto com os escravos libertos, onde se
fundiu com gêneros europeus e assim conformaram a base da canção brasileira. Batizado
de lundu-canção, também deu origem a letras de duplo sentido, como na letra de “Isto
é bom”, de Xisto Bahia, de 1902:
“O inverno é rigoroso,
Bem dizia a minha avó.
Quem dorme junto sente frio,
Quanto mais quem dorme só.
Isto é bom, isto é bom,
Isto é bom que dói.”
Outro estilo musical muito presente nas décadas do Império eram
as modinhas cantadas ao violão, nos salões da corte, ou nas casas simples, às
vezes até mesmo nas ruas. A riqueza musical desse período está descrita na obra
Viola de Lereno, do padre Caldas Barbosa, filho de um funcionário real português
com uma escrava angolana.
A importância da modinha para a cultura musical brasileira
ficou patente na obra Memórias de um Sargento de Milícias, cujo personagem
Leonardo, antes de se tornar o tal sargento do título, subia o morro da
Conceição, no Rio de Janeiro, para ouvir a mulata Vidinha desfilar suas lindas
modinhas a seus ouvintes – o que, aliás, criou-lhe problemas com o major
Vidigal, responsável por “pôr ordem no local”. Por exemplo:
“Se os meus suspiros pudessem
Aos teus ouvidos chegar,
Verias que uma paixão
Tem poder de assassinar.”
A elite política brasileira também deu sua contribuição ao
nosso universo musical. D. Pedro I compunha modinhas, cantava bem e também foi
co-autor do Hino da Independência, ao lado de Evaristo da Veiga.
Em 1854, o marquês de Sapucaí – ainda vivo, não era nome da
rua que serve anualmente como passarela do samba -, ao lado do escritor José de
Alencar e de muitos outros intelectuais, fundou o Congresso das Sumidades
Carnavalescas, já visando às comemorações dos dias de carnaval. O objetivo era
realizar uma festa popular mais organizada e civilizada do que o repugnante
entrudo, praticada desde a época da colônia e famoso pelos banhos de urina
misturada com limão e pelos banhos de lama.
Os clubes carnavalescos logo se esmeravam em compor músicas
que discutissem os grandes temas nacionais: abolição da escravatura, república
versus império etc.
Com o fim do império e a chegada da República, um novo ritmo
surgiria nas paradas de sucesso: o maxixe. Inclusive o historiador José Murilo
de Carvalho seria levado a entalhar a repetida expressão “República do maxixe
doido”.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República Cantada: do choro ao funk, a
história do Brasil através da música”
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