O compositor Ataulfo Alves não se preocupava tanto se a
presidência seria ocupada por Vargas ou Dutra. Em “Isto é o que nós queremos”,
dava seu recado:
“Nós queremos nossa liberdade,
Liberdade de pensar e falar.
Nós queremos escolas pros filhos
E mais casas pro povo morar.”
Mas em 1946, Dutra tomou a atitude que, talvez, seja a mais
marcante de seu mandato: proibiu os jogos de azar no país. Nei Lopes e Zé Luiz
do Império cantaram sobre eese fato em “Malandros maneiros”:
“No governo de marechal Dutra
Não teve truta nem meu pé dói
E na guerra que houve aos cassinos
Parou Constantino e fechou Niterói.”
Se foi a pedido de sua esposa, Carmela Dutra, cuja religiosidade
lhe rendeu o apelido de Santinha, ou por forças políticas antipáticas a jogos
de azar, difícil saber. O discurso oficial falava laconicamente apenas “em nome
da moral e dos bons costumes”. O efeito colateral foi trágico: cerca de 40 mil
desempregados da noite para o dia.
A simpatia por aquele tipo de diversão ficou explícito na
canção “Cassino da Urca”, de Cartola:
“Rico panorama
Tem o Rio de Janiero.
(...)
A linda avenida Central,
Corcovado e Pão de açúcar,
E o cassino que falta
É o Cassino da Urca.”
O presidente Dutra, na seara econômica, lançou seu Plano
Salte, prometendo investimentos em saúde, alimentação, transporte e energia.
Mas esse plano serviu mesmo como mote para o samba-enredo para a escola de
samba Mangueira conquistar o carnaval de 1950: “Plano Salte”, de Nelson
Sargento e Alfredo Português:
“O povo deste Brasil querido
Se acha enriquecido
Com o Plano Salte,
Lembrando o doutor Oswaldo Cruz,
Que da ciência foi a luz,
Um valoroso baluarte.”
A Copa de 1950 estava em disputa e a seleção brasileira
humilhava os espanhóis por 6 X 1 no recém-inaugurado Maracanã quando,
inesperadamente, o grande compositor João de Barros, eternizado com o apelido
de Braguinha, recebeu uma homenagem emocionante da torcida, que cantava em
uníssono “Touradas em Madri”, seu sucesso para o carnaval de 1938. Braguinha,
que estava na arquibancada, não conseguiu cantar de tão emocionado que se ficou.
Dutra era conhecido pelo seu silêncio sepulcral. Na verdade,
ele tinha problemas de dicção, pois chiava nas letras “s” e “c”, pronunciando o
“x” no lugar. Marino Pinto não deixou passar essa piada pronta e compôs “Voxê
qué xabê”:
“Voxê qué xabê,
Voxê qué xabê.
Não pixija xabê.
Pra que voxê qué xabê?”
Se Dutra tinha problemas com a língua portuguesa, com a
língua inglesa não se saía muito melhor. Ao receber o presidente americano
Harry Truman no aeroporto, foi indagado pelo próprio: “How do you do, Dutra?”.
O brasileiro apenas respondeu: “How tru you tru, Truman?”
Dutra chegou à presidência tendo na sua base de apoio a UDN
de Carlos Lacerda, mas logo surgiram desentendimentos entre eles. Mas, antes de
encarnar o líder direitista-extremista-raivoso, Lacerda era comunista (membro
do Partidão) e compositor nas horas vagas. Ainda na década de 1930, ao lado do comunista
Jorge Amado e de Dorival Caymmi, compôs a apaixonada “Beijos pela noite”:
“Um dia sentirás a mocidade
No teu corpo fatigado
Da saudade dos caminhos.
E então, sobre a lembrança dos meus beijos,
Nosso amor adolescente poderá recomeçar.”
A eleição seguinte veria um Vargas de energia renovada disputando
a vaga no Catete. Braguinha e José Maria de Abreu vocalizaram os desejos dos
que o queriam de volta:
“Ai, Gegê!
Que saudades que nós temos de você!
O feijão subiu de preço,
O café subiu também.”
Mas Getúlio sabia que teria de visitar os grotões para pedir
votos. E assim o fez. No entanto, em Pernambuco, o velho sentiu-se indisposto e
não pode continuar viagem. Para evitar contratempos, levaram-lhe um “miniestúdio”,
com qual gravaram seu discurso e o reproduxiram em 160 vinis. Todos foram
enviados a emissoras de rádio do interior do estado. E assim o povo pode ouvir
o que o velho queria dizer.
O aparato era pertencente a José Rozenblit, fundador da
Fábrica de Discos Rozenblit. Este empreendimento foi fundamental para a música
brasileira, pois lá se registraram todas as obras de Capiba, Nelson Ferreira,
Irmãos Valença, Levino Ferreira, Edgar Moraes dentre outros.
Luiz Gonzaga, o famoso Rei do Baião, já estava na estrada
desde a década de 1940. Aproveitando o movimento de intensa urbanização, que se
estendeu da década de 1940 até os anos 1970, que trouxe para o “sul maravilha”
mais de 39 milhões de trabalhadores e seus familiares, que deixaram o campo em
busca de uma “vida melhor”, que se materializaria num barraco pendente numa
encosta de morro ou num casebre numa periferia distante, Gonzagão foi a trilha
sonora desse enorme contingente. Ali, no forró, os nordestinos encontraram
conterrâneos, tomavam pinga, comiam carne de sol. Os “arrasta-pé” comiam solto
ao som do baião, do coco, do rojão, da quadrilha, do xaxado, do xote. O instrumento
que sintetizava toda essa profusão cultural eram o “pé de bode”, a sanfona de
oito baixos imortalizada por Gonzagão em “Januário”, composta em homenagem a
seu pai.
Gonzagão assinou sua obra-prima ao lado do parceiro Humberto
Teixeira e Zé Dantas: Asa Branca:
“Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João,
Eu perguntei a Deus do céu: Ai,
Por que tamanha judiação?”
Evidentemente, com tanto sucesso, Luiz Gonzaga era
requisitadíssimo durante as campanhas eleitorais. Fez jingles para Carlos
Lacerda, Getúlio Vargas, Jânio Qaudros, Eurico Gaspar Dutra, além dos
candidatos que concorriam em cada estado.
Mas o hit da eleição de 1950 foi “Retrato do velho”, de
Haroldo Lobo e Marino Pinto:
“Bota o retrato do velho outra vez,
Bota no mesmo lugar.
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar.”
Getúlio levou, pela primeira vez era o presidente por meio
de eleições diretas, mas teve de compor uma aliança política que de tão extensa
alcançava até a UDN de Lacerda. Outro aliado polêmico era Ademar de Barros, do
PSP, aquele que inventou o lema “Rouba, mas faz”. E São Paulo cantava assim
essa macarronada:
“É PTB! É PSP!
Presidente Getúlio.
Ademar senador,
Lucas Garcez para governador.”
Mas o cenário que Getúlio herdou de Dutra era caótico. Agora
o Brasil tinha 50 milhões de pessoas, estando 40% a residir em cidades. E a
situação financeira dessa multidão não era das melhores. Ari Barroso e Benedito
Lacerda cantaram isso em “Falta um zero no meu ordenado”:
“Trabalho como louco,
Mas ganho muito pouco,
Por isso eu vivo sempre atrapalhado,
Fazendo faxina,
Comendo no China.
Tá faltando um zero
No meu ordenado.”
Em seguida, começa a campanha “O petróleo é nosso”, que
resultaria na criação da Petrobras. O samba “Falso patriota”, de David Raw e
Victor Simon:
“Você diz que é patriota,
Sua bebida é de marca escocesa.
Não bebe nossa cachaça
E ergue a taça
Com a champanhe francesa.”
A crise financeira daquele período descambou na chamada
greve dos 300 mil, em São Paulo. Getúlio respondeu nomeando João Goulart, do
PTB, para o Ministério do Trabalho. Jango tido como comunista tanto pela UDN
quanto por parte dos militares. Sua sugestão foi dobrar o salário mínimo. Não
seria nada de mais, pois o mesmo não era reajustado há 10 anos.
Mas não foi isso o que aconteceu. Iniciou-se uma crise política
intensa, Carlos Lacerda intensificava a cada dia mais seus ataques contra o
Catete e, em 5 de agosto de 1954, na rua Tonelero, em Copacabana, um tiro
direcionado a Lacerda, mas que terminou por atingir fatalmente o major da
aeronáutica Rubens Vaz, pôs fim às condições políticas do governo Vargas. Até
seu vice conspirava com Lacerda, às claras.
Na madrugada de 23 para 24 de agosto, um tiro de colt 32
contra o peito, dado por si mesmo, pôs fim à vida do velho Gegê.
A trilha sonora de despedida de Vargas ficou a cargo de
Moreira da Silva, agora usando sua gesticulação excessiva para cantar “A carta”,
de Silas de Oliveira e Marcelino Ramos:
“Mais uma vez
As forças e interesses contra oi povo
Coordenaram-se novamente
E se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam,
Insultam-me de novo.
Vejo de perto aproximar meu fim.”
Já a canção “Vinte e quatro de agosto”, de Teixeirinha,
procurava eternizar o dia trágico:
“Vinte e quatro de agosto a terra estremeceu.
Os rádios anunciavam o fato que aconteceu.
As nuvens cobriam o céu, o povo em geral sofreu.
O Brasil cobriu de luto, Getúlio Vargas morreu.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República Cantada: do choro ao funk...”
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