O êxito do Plano Real desde seus primeiros dias podia ser
demonstrado pelo aumento do consumo de frango, iogurte, dentaduras e de
eletrônicos.
Mas o povo queria algo mais, algo que passaria a ser cada
vez mais raro, especialmente nas periferias violentas das grandes cidades: paz
e segurança. Nas palavras de Cidinho e Doca no “Rap da felicidade”:
“Eu só quero é ser feliz,
Andar tranquilamente
Na favela onde eu nasci.
É...”
Os anos 1990 marcaram o momento em que a classe média entrou
em contato com a nova linguagem musical cada vez mais popular nas favelas e
periferias brasileiras: hip hop, funk e rap.
Em meio à proliferação de igrejas evangélicas, sentindo-se
na mira do fuzil do traficante, ou do miliciano, ou do policial, jovens pobres passaram
a sofrer descontos cada vez maiores na sua expectativa de vida.
Em meio a tudo isso, a cultura de diversão surgida nos
bailes periféricos, ao som de raps e funks, despertou críticas cada vez mais
contundentes, conflitos com forças policiais e, também, belas iniciativas
sociais visando a amenizar o sofrimento daquelas pessoas.
Já em São Paulo, na zona oeste, a partir do bairro de
Carapicuíba, quem dava o recado era o grupo de pagode Negritude Junior. A
música “Senhor presidente”, de Netinho de Paula e Waguinho, dizia:
“Senhor presidente, espero que se encontre bem,
Pois a nossa gente ainda anda esmagada no trem.
Idosos vendendo pipoca e amendoim.
Que país é este, meu Deus, o que será de mim?”
A estabilização econômica trazida pelo Plano Real tirou 8
milhões de pessoas debaixo da amara linha da pobreza. Mas a contenção de
despesas públicas, que retiraram investimentos importantes em infraestrutura,
moradia, saneamento básico, legavam milhões a viver em condições degradantes.
Chico Science e sua Nação Zumbi fizeram questão de cantar essa realidade em “A
cidade”:
“Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu,
Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu,
Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus.”
A alta popularidade de FHC – além de muita propina
comprovadamente paga - rendeu-lhe a aprovação da emenda que permitia uma reeleição
do chefe do executivo. As eleições de 1998 trouxeram novamente o embate entre o
FHC do Plano Real e o Lula das reivindicações de fundo social. Novamente deu
FHC.
Já Pedro Luís preferiu compor o “Rap do real” e denunciar o
subemprego que solapava os centros urbanos com sua miríade de vendedores
ambulantes:
“Com quantos reais se faz uma realidade?
Preciso muito sonho pra sobreviver numa cidade
...
Um real aí, é um real.”
Um dos símbolos dos mandatos de FHC foram as privatizações.
Embora houvesse denúncias e muita disputa política no meio, vendas como a da
Vale do Rio Doce não foram impedidas pela Justiça.
A banda Mundo Livre S/A compôs “Negócio do Brasil” acerca do
tema:
“Pde ser às claras,
Ninguém vai notar.
Mesmo que algo vaze, vai evaporar.
Sua Excelência autoriza aquela venda...”
No campo, paz também era uma palavra distante da realidade.
O pior dos episódios ocorreu em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. MST e
Polícia Militar se enfrentaram com um trágico resultado: 19 trabalhadores
mortos, dezenas de feridos. Os responsáveis somente foram condenados em 2012.
O massacre rendeu o lançamento do livro Terra, em 1997, do
fotógrafo Sebastião Salgado e do escritor ganhador do Prêmio Nobel José
Saramago. A obra contou com um CD composto por Chico Buarque. Uma das
composições era “Assentamento”, em que o cantor se inspirou em Guimarães Rosa
para defender a reforma agrária:
“Quando eu morrer,
Cansado de guerra,
Morro de bem
Com a minha terra.”
O fim do segundo mandato de FHC não foi tão feliz quanto o
do primeiro. Denúncias de corrupção, greves por todo o país, alta taxa de
desemprego e uma pressão por políticas na área social se somavam, não lhe permitindo
fazer seu sucessor.
O rapper Gog tentou mandar o recado a Vossa Excelência:
“Ei, presidente, li um dos seus livros,
Um best-seller do socialismo,
Confusões, relatos sinceros,
Um defensor da foice e do martelo, ham...”
Em 2002, o candidato vitorioso foi, após três tentativas mal
sucedidas, Lula. O vice foi o empresário e senador do PL, José Alencar.
O lema inicial do governo era o fim da fome. Criaram então
programa Fome Zero. Os passos iniciais foram trôpegos, envolvendo muitas
denúncias de aplicação irregular de recursos.
A dupla Caju e Castanha também denunciaram em “A Fome Zero
zerou”:
“Peço ao nosso presidente que nos dê mais atenção,
Essa tal de Fome Zero tá uma esculhambação,
Arrecada as comida, mas não chega pro povão!”
O governo então criou o Programa Bolsa Família, unindo
iniciativas que preexistiam no governo anterior, mas agora com mais recursos
disponíveis. Tornou-se então marca social do governo Lula. O aumento dos
recursos disponíveis aos mais pobres ajudou a impulsionar a venda de alimentos,
roupas e eletrodomésticos, sobretudo no Norte, Nordeste e nas periferias das
grandes cidades.
O grande problema do governo Lula, rapidamente, passou a ser
a governabilidade, especialmente após as primeiras denúncias de corrupção envolvendo
os Correios e Roberto Jefferson, do PTB, um dos muitos nomes reunidos na base
de apoio do PT com o fim de ampliá-la. Sendo o homem forte da EBCT e estando
acuado pelas denúncias, Jefferson então denunciou a existência do Mensalão –
esquema de compra de apoio político para fazer passarem projetos de lei de
interesse do Executivo.
As denúncias no âmbito do Mensalão levaram Charles Gavin,
Paulo Miklos e Tony Bellotto, do Titãs, a comporem a irascível “Vossa
Excelência”:
“Estão nas mangas
Dos senhores ministros.
Nas capas
Dos senhores magistrados.
Nas golas
Dos senhores deputados.”
Mas a esperança de que um novo país estava sendo gestado
persistia. Bono Vox, líder da banda U2, inclusive improvisou uma versão de “No
woman, no cry”, de Bob Marley, com essa temática:
“I remember Carnival
In the beautiful city of Salvador.
A new Brazil is coming.”
O segundo mandato de Lula, recebido em 2006, veio
acompanhado de uma cobrança pública do rapper Marcelo D2 em sua “Carta ao presidente”,
composta com Renato Venom:
“O Brasil quer mudar, crescer, pacificar,
Com uma jsutiça social que tanto alguns tentam conquistar.
Se em algum momento algum político conseguiu despertar a
esperança,
O final da história é uma lambança.
...
Sem mais delongas,
Não repare o sorriso amarela,
Um abraça do ainda amigo
Marcelo.”
Em 2007, é lançado o PAC – Programa de Aceleração do
Crescimento – que previa investimentos em infraestrutura por todo o país. A
coordenação do Programa ficou a cargo da Ministra Dilma Rousseff. Esta,
venceria a eleição seguinte, na onda de popularidade de Lula.
A transmissão do comando do país veio junto com o “Funk do
Lula”, pelo grupo Gaiola das Popozudas:
“Conheci o Lula no Complexo do Alemão,
E ele não tirou o olho do meu popozão
Com todo respeito, senhor presidente,
O senhor gostou de mim, e o seu olhar não mente
Mas, senhor presidente, meu papo é outro
Sou popozuda e represento a voz do morro
Luis Inácio é do povo, e escuta o que ele diz
A favela tem muita gente, que só quer é ser feliz
Que Dilma que nada! Me leva pra Casa Civil
Vou por o som na caixa e balançar o quadril
O funk não é problema, para alguns jovens é a solução
Quem sabe algum dia viro ministra da Educação.”
A eleição de Dilma foi acompanhada de um episódio até então
inusitado. O candidato José Serra foi atingido por uma bolinha de papel, que
foi usada de todas as maneiras possíveis pela imprensa com o fito de prejudicar
a campanha da petista.
Tantinho da Mangueira não se conteve e compôs com Sérgio Procópio
“Bolinha de papel”:
“Deixa de ser enganador,
Pois bolinha de papel
Não fere nem causa dor.”
A eleição de uma mulher para a presidência da República foi
adiantada em algumas letras, como a “Mulher na Presidência”, de Aniceto do
Império:
“Se acaso acontecer
Uma mulher na Presidência?
É sapiência,
É sapiência.”
O Ultraje a Rigor também gravou “Eu gosto de mulher”:
“Mulher de corpo inteiro.
Não fosse por mulher, eu nem era roqueiro.
Mulher que se atrasa, mulher que vai na frente,
Mulher dona de casa, mulher pra presidente.”
A trilha sonora do mandato de Dilma foi o tecnobrega e o
sertanejo universitário, qeu invadiram o país. O primeiro surgiu no Pará, no
encalço da banda pioneira Calypso. O segundo era uma mistura de sertanejo com
axé e pop rock.
Dilma, embora eleita por conta da popularidade do
antecessor, mostrou-se o oposto de Lula. Era dura nas negociações, detestava
fisiologismo, demitiu diversos ministros envolvidos em escândalos, dava
broncas, cobrava eficiência. Aos poucos imprimia sua própria personalidade a
seu mandato. Se por um lado os resultados econômicos decepcionavam, por outro
sua marca na área social se tornava indelével.
Os níveis de emprego mostravam surpreendentes 19 milhões de
vagas criadas em 10 anos, estando 48 milhões de brasileiros com suas Carteiras
de Trabalho assinadas.
Outra medida de Dilma foi aventurar-se pelos mares revoltos
da Comissão da Verdade, que apurava muitos dos crimes cometidos durante a
ditadura iniciada em 1964. Desnecessário dizer o descontentamento que tomou
conta dos quartéis e que atingiu também parte da classe política.
Em julho de 2013, a crise política insipiente tomou ares
dramáticos. Um multidão invadiu as ruas, reivindicando melhorias nos serviços
públicos e protestando contra a corrupção. Mobilizados a partir da internet,
ainda é difícil traçar o perfil desses manifestantes do século XXI.
A trilha sonora agora era a música “Vem pra rua”, composta
pelo grupo O Rappa para uma campanha publicitária com o tema da Copa do Mundo e
das Confederações:
“Vem, vamos com a gente,
Vem torcer, bola pra frente.
Sai de casa, vem pra rua,
Pra maior arquibancada do Brasil.”
Por fim, no período mais recente, multiplicam-se reclamações
sobre uma eventual “judicialização” da política, quando vemos decisões de
tribunais tomando o lugar das decisões políticas tomadas pelas vias tradicionais.
A esse respeito, vem à mente a música “Meu bom juiz”, de
Beto Sem Braço e Serginho Meriti, imortalizada na voz de Bezerra da Silva:
“Aaah, meu bom juiz, meu bom juiz,
Não bata esse martelo nem dê a sentença
Antes de ouvir o que o meu samba diz,
Pois este homem não é tão ruim quanto o senhor pensa.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República cantada: do choro ao funk...”
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