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quarta-feira, 11 de abril de 2018

AUMENTA O SOM, QUE ISSO É BROCK!


O período de José Sarney na presidência do Brasil foi o auge de um movimento a que o jornalista Arthur Dapieve chamou de “Brock”, o rock brasileiro, de volta após a explosão da jovem guarda e da repressão dos anos de chumbo.

A expressão que resumia bem aquele movimento musical e cultural era emprestada do nome de um dos maiores sucessos da banda Legião Urbana: Geração Coca-Cola. As letras tocavam as angústias e ansiedades que afligiam toda aquela geração.

Os anos 1980 foram bem caracterizados pelo fantasma da inflação. Ministros e planos econômicos eram nocauteados um a um pelo dragão da inflação. Esses fatos inspiraram a banda Titãs a se revoltar contra o capitalismo e todo aquele economês indevassável. “Homem Primata”, de Sérgio Britto, Marcelo Fromer, Nando Reis e Ciro Pessoa dizia assim:

“O homem criava
E também destruía.
Homem primata,
Capitalismo selvagem.”

Mas antes disso, ainda em 1983, quando a campanha pelas Diretas Já ainda não se tinha afundado no mar dos conchavos políticos, a banda irreverente Ultraje a Rigor lançou o grande hit “Inútil”, de Roger Moreira. Era a fotografia de um país com baixa auto-estima e que cambaleava cheio de incertezas em direção ao futuro:

“A gente não sabemos
Escolher presidente.
A gente não sabemos
Tomar conta da gente.
...
Inúteu!
A gente somos inúteu!”

Mais tarde, foi a vez de Lobão atacar Sarney em “O eleito”, composta com Bernardo Vilhena:

“O palácio é o refúgio mais que perfeito
Para os seus desejos mais que secretos.
Lá ele se imagina o eleito,
Sem nenhuma eleição por perto.”


E Renato Russo fazia coro paras as insatisfações de uma nação atormentada política e economicamente:

“Ninguém respeita a Constituição,
Mas todos acreditam no futuro da nação.
Que país é esse?
Que país é esse?”

Cazuza também deu seu tostão, em “Brasil”, composta ao lado de George Israel e Nilo Romero:

“Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim!”

E as insatisfações com as ideologias que, pouco a pouco, desvaneciam, foram cantada em “Ideologia”, de Cazuza e Frejat:

“Meu partido
É um coração partido
...
Ideologia!
Eu quero uma pra viver.”

Após distribuir concessões de rádio e TV a torto e a direito, Sarney conseguiu costurar o acordo que estendeu seu tempo no Alvorada de quatro para cinco anos, ao contrário do que previra a Carta Maior.
Pois bem, Gonzaguinha cantou conta tudo isso em “É”:

“É!
A gente quer viver pleno direito,
A gente quer viver todo respeito,
A gente quer viver uma nação.
A gente quer ser um cidadão.”

Ainda tateando os novos limites permitidos no pós-repressão, operários da CSN, em Volta Redonda, iniciaram um processo de renegociação salarial, que evoluiria para confronto aberto entre operários e a polícia militar. O conflito terminou com três trabalhadores mortos.

Quem cantou mais alto essa tragédia não foi nenhum rockeiro empedrenido, mas os sambistas Arlindo Cruz, Marquinho PQD e Franco, em “Sonhando sou feliz”, do Cacique de Ramos:

“Se andam espalhando bomba,
Um bom malandro não tomba,
Dá uma volta redonda e acerta o país.
Tô sonhando, mas sou feliz.”

O processo de distensão política seguia ritmos diferentes no campo e nas cidades. Chico Mendes, ambientalista e presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri, no Acre, foi assassinado, num crime que chocou grande parte do país, que apoiava sua luta pela preservação da floresta amazônica e, consequentemente, do sustento de quem vivia da extração do látex.

O grupo de reggae Cidade Negra cantou aquela dor em “Assassinatureza”:

“Ei, você aí,
Você que está matando as ervas,
As árvores,
Poluindo os rios
E assassinando os animais.”

O período final da era Sarney causava tal perplexidade nas pessoas, pelos absurdos que se noticiavam, que a inspiração era inevitável.

Os Paralamas do Sucesso compuseram “Perplexo”, de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone:

“Tentei te entender,
Você não soube explicar.
Fiz questão de ir lá ver,
Não consegui enxergar.”

Em 1989, após um interstício compulsório de cerca de trinta anos, o Brasil ia às urnas. A eleição para Presidente da República foi ao segundo turno, quando se enfrentaram os candidatos Lula, do PT, herdeiro das lutas sindicais dos anos 1980; e Fernando Collor, do PRN, filho do senador udenista Arnon de Mello, prefeito biônico (isto é, não eleito) de Maceió, apoiador de Maluf contra Tancredo, proprietário da retransmissora da TV Globo no seu estado e eleito governador de Alagoas com apoio de Sarney, quando o Plano Cruzado lhe rendia popularidade.

Bom, como sabemos, Collor sagrou-se vencedor, por uma margem apertada de 4 milhões de votos.   
A quinze dias das eleições, o boco de carnaval Suvaco de Cristo, cantou indagando sobre o futuro, em “República dos vira-latas”, composta por Lenine e Bráulio Tavares:

“E a República?
República dos vira-latas,
Das concordatas, do economês.
República do golpe baixo,
É muito escracho com a cara de vocês.”

Já a escola de samba Unidos do Cabuçu trazia a dúvida de quem não sabia se depositara seu voto no candidato certo. Seu enredo “Será que votei certo para presidente?” cantava em prece:

“Se votei certo, só mesmo o tempo dirá.
Peço a Deus, sinceramente,
Que ilumine o presidente
Desde agora, desde já.”

Pouco após os questionamentos da agremiação foram respondidos: o Plano Collor confiscou a poupança popular, extinguiu o cruzado e retornou o cruzeiro como moeda do país.
O Gaúcho da Fronteira cantava um tanto apreensivo, em “Éramos felizes e não sabíamos”:

“Tia Zélia disse e falou:
‘Não é como antigamente,
O povo que se prepare,
No pacote tem presente.”

Os anos Collor marcaram a elevação do “axé music” e os trios elétricos baianos a símbolos maiores do carnaval. Embora tão popular quanto as marchinhas e o forró, raramente ouviam-se músicas de temática políticas. A exceção eram os grupos afro, que cantavam a africanidade, como o grupo Olodum em “Protesto Olodum”, de Tatau, que lembrava Mandela:

“Desmond Tutu,
Contra o apartheid lá na África do Sul,
Vem saudando o Nelson Mandela,
O Olodum.”

Voltando ao presidente, a imagem que ele parecia querer cultivar era a de um homem jovial, atlético, destemido – pilotava Jet-ski, moto, lutava caratê etc.

Lobão e Tavinho então compuseram “Presidente mauricinho”, uma pequena “homenagem” ao presidente collorido:

“O presidente sai de moto
Pelo eixão monumental.
O presidente anda a mil
No país do carnaval.”

Mas nenhuma dessas canções deveria fazer parte da Playlist da Casa da Dinda, residência do clã de Alagoas. A trilha sonora dali girava em torno da música sertaneja, sendo Leandro e Leonardo dois dos músicos mais requisitados do local. Aliás, foi o mesmo período em que Chitãozinho e Chororó e outras duplas sertanejas expulsaram o “Brock” da mídia.

Logo após, os reais resultados do Plano Collor vieram à tona, com o dragão da inflação voltando a atemorizar os brasileiros. A crise política explodiu com as revelações bombásticos do irmão do presidente, jogando no ventilador todas as falcatruas envolvendo Fernando, PC Farias e diversos membros do governo.
O rapper Gabriel o Pensador, então, trazia à reflexão seus versos de “Lavagem cerebral”:

“Me responda se você discriminaria
Um sujeito com a cara do PC Farias.
Não, você não faria isso, não.
Você aprendeu que o preto é ladrão.”

Instaurou-se então uma CPI, para investigar o “Esquema PC”. Em setembro de 1992 foi encaminhado o pedido de impeachment de Collor. O “Fora Collor” tomou conta das ruas e a televisão incentivava aquele clima político exibindo a minissérie “Anos Rebeldes”, que trazia como trilha sonora “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso:

“Caminhando contra o vento,
Sem lenço e sem documento...”

A condenação de Collor foi comemorada por Gabriel o Pensador em “Tô feliz (Matei o presidente)”:

“E o velório vai ser chique.
Sem falta eu to lá.
É, ouvi dizer que é o PC que vai pagar.”

A presidência foi sucedida por Itamar Franco. Quase diametralmente oposto ao antecessor, Itamar era pacato, um pouco mulherengo, às vezes ranzinza e gostava de fusquinha. Essa última característica dele foi cantada pelo Ultraje a Rigor em “Fusquinha do Itamar”:

“Primeiro foi o fusca do Juscelino,
Depois veio o DKW, o Simca Chambord.
Tudo isso sem falar no tremendo tapa que eu levei
Com a história da carroça do Collor.
E agora isso!”

Os escândalos de Collor do “Esquema PC” foram sucedidos pelas não menos escandalosas denúncias envolvendo a Comissão de Orçamento. Entre 1993 e 1994, deputados e senadores conhecidos em conjunto como “Anões do Orçamento” responderam por crimes de recebimento de propina para favorecer empresas. Um deles, João Alves, “ganhou” 121 vezes na loteria. Ao final, vários deles foram cassados.

Foi então que Lula, presidente do PT, talhou uma de suas frases mais famosas: O Congresso tem 300 picaretas com anel de doutor. A banda Paralamas do Sucesso usou esse mote para sua composição “Luiz Inácio (300 picaretas)”. Resultado: shows da banda foram cancelados em Brasília, rádios proibiram a execução da música. Mas a música fez parte do CD “Vamo batê lata”:

“Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou
São trezentos picaretas com anel de doutor
Luiz Inácio falou
Luiz Inácio avisou.”

O cantor Bezerra da Silva foi bem lembrado naqueles anos. Ainda em 1989, antes da primeira eleição presidencial pós-ditadura, ele lançou “Candidato caô cão”, de Walter Meninão e Pedro Butina:

“Ele subiu o morro sem gravata,
Dizendo que gostava da raça.
Foi lá na tendinha,
Bebeu cachaça,
E até bagulho fumou.”

Em 1992, quando da queda do primeiro presidente eleito no pós-ditadura, lançou com enorme sucesso “Se não fosse a ajuda da rapaziada”, de Bolão Sax Tenor e Rabanada:

“É o candidato cão,
Só visita o morro Quando é tempo de eleições.
Chaga dando beijos e abraços,
Tapinha nas costas e aperto de mão.”

Itamar sobreviveu bem a todos os escândalos surgidos durante seu mandato por causa de sua imagem de correto e austero. Uma de suas medidas foi nomear o senador Fernando Henrique para o ministério da Fazenda. Foi então lançado o Plano Real, com enorme sucesso no controle da inflação.

Mas nem tudo eram flores. As mazelas ainda existiriam por muito tempo. Em 1994 mesmo, ano de lançamento do Plano Real, a banda Skank lançou “Esmola”, de Samuel Rosa e Chico Amaral:

“Uma esmola, pelo amor de Deus,
Um escola,
Meu! Por caridade!
Uma escola
Pro ceguinho, pro menino.
Em toda esquina,
Tem gente só pedindo.”

A estabilização econômica decorrente do Plano Real ajudou a impulsionar o crescimento do crédito para o consumo no Brasil. O grupo Mamonas Assassinas cantou esse fenômeno em “Chopis centis”, de Dinho e Julio Rasec:

“Quanta gente
Quanta alegria,
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia.”

O sucesso de seu Pano garantiu a FHC sua eleição como Presidente, sem concorrente que o ameaçasse. No ano de seu primeiro carnaval no gabinete, a escola de samba Unidos de Vila Isabel cantou “Cara e coroa, as duas faces da moeda”, relembrando nossas idas e vindas monetárias:

“D. João trouxe o progresso,
A inflação, deixou de herança,
No real, realidade é a esperança.
...
No azul desse mar eu faço o meu carnaval
Com a Vila levantando o meu astral.”


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A República cantada: do choro ao funk...”


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