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terça-feira, 30 de outubro de 2018

AS MUITAS FACES DO FASCISMO EM FACE DE SEUS FÁUSTICO FASCÍNORAS



É natural que se relacione uma teoria com o local em que esta veio à luz. Portanto o locus do nazismo é a Alemanha da República de Weimar; o locus do fascismo é a Itália pós-I Guerra Mundial, a monarquia encabeçada pelo rei Vittorio Emanuel.

Uma dificuldade para que se conceitue o fascismo é o fato de que seu criador, Mussolini, não se preocupou em momento algum em dar maior consistência intelectual à sua fétida teoria. Portanto, analisar o fascismo, e seu filho ainda mais diabólico, o nazismo, é, antes de tudo, analisar a trajetória histórica nefasta de ambas.

Embora o Brasil seja um país recente na história da humanidade, cuja independência remonta a 1822, tanto a Itália quanto a Alemanha são ainda mais recentes como nações independentes. Em meados do século XIX ocorreram transformações intensas do mapa da Europa, causadas pelo desmoronamento de antigos e caducos impérios – caso do império turco-otomano. Nesse ambiente de transformações surgiram dois Estados, poderosos desde o berço: Alemanha e Itália, ambos entre os mais ricos, industrializados e populosos de toda a Europa desde o primeiro dia de suas existências.

Ambos os Estados eram conformados por reinos independentes e teimosamente beligerantes, diversos deles possuíam inclusive moeda e leis próprias, contudo compartilhavam línguas muito semelhantes e pertenciam ao mesmo grupo étnico. A partir do século XIX se tornou comum identificar povos por sua nacionalidade, isto é, todos deveriam fazer parte de uma nação, e o principal critério era a língua local.

Para o reforço dessa identidade nacional, artistas lançavam mão de mitos e lendas de um pseudo-passado remoto, exposto em músicas folclóricas e que deram origem a tradições cuja ancestralidade é mais do que questionável.

A unificação italiana partiu do Reino do Piemonte, no norte da Península Itálica. Era o reino mais rico e mais industrializado da região. Desde 1852, seu primeiro-ministro, Camillo di Cavour, deu início a ações de diplomacia e de guerra que levaram à fundação do Reino da Itália, em 1861. O rei do Estado nascente era o rei do Piemonte, Victor Emmanuel II – Roma seria anexada em 1870.

No caso da Alemanha, o Estado a liderar o movimento de unificação dos reinos germânicos (a maior parte dos quais fazia parte do império Austro-Húngaro) foi a Prússia, cujo primeiro-ministro, Otto von Bismarck, usou das mesmas táticas diplomático-beligerantes, que incluíram a fomentação de três guerras, para unir os Estados e Reinos germânicos em torno de um ente nacional apenas. Tendo amealhado um conjunto invejável de vitórias na execução de seu intento, em 1871, Bismarck viu o rei da Prússia, Guilherme, ser entronado como kaiser do Império Alemão. O novo império surgia com o domínio sobre as regiões da Alsácia e da Lorena, cuja posse seria um dos fatores a desencadear a I Guerra Mundial.

Pois bem. O surgimento de Estados fortes e industrializados a disputarem a liderança econômica num mundo dividido entre Impérios europeus poderosos levou a um fim inexorável: a I Guerra Mundial. O fim daquela carnificina revelou um continente agora exausto, paupérrimo, povoado por seres amargurados, muitos dos quais soldados ressentidos com seus governos, os quais julgavam fracos e não confiáveis, sem falar naqueles que sentiam não terem feito o bastante pelos milhões de irmãos que viram perecer nos campos de batalha.

Isto é: os esforços empregados ao longo dos quatro anos infernais do conflito pareciam ter sido em vão; o retorno da paz trazia consigo políticos repudiados pelos cidadãos; a democracia se mostrava inútil frente desgraça do conflito que não foi capaz de evitar. Só um desejo parecia ecoar desse monte de entulhos que se tornara a civilização: um líder forte, carismático, que pudesse unir a Nação, tirá-la do lamaçal e lança-la rumo ao progresso e à riqueza material.

Esse foi o locus originador da, talvez, mais ignóbil teoria que uma mente doentia poderia arquitetar. De raízes nacionalistas e militaristas, o fascismo deitou raízes em todo o continente europeu nas décadas de 1920 e 1930, mas tomou de assalto especialmente a Alemanha e a Itália.

Em face de sua aridez intelectual, o fascismo foi adquirindo aspectos locais onde quer que fosse praticado – por exemplo, o antissemitismo foi mais forte na Alemanha do que na Itália. Mas em alguns aspectos eles concordavam: o fascismo é autoritário e violento, a xenofobia faz-se sempre presente; o ódio às minorias étnicas é uma constante; assim como o repúdio total a socialistas, comunistas, liberais, democratas; o desejo de conquistas militares é outro aspecto sempre presente no diversos fascismos postos em ação.

O temor de uma Revolução Comunista atingia especialmente a classe média europeia: após a Revolução russa de 1917, um evento semelhante em seu solo tirava o sono dos mais abastados. Esse temor jogou essa classe social nos braços da extrema-direita. Essa extrema-direita na Itália era representada pelo partido político Fasci di Combattimiento – ou simplesmente os fascistas. A palavra “fascismo” deriva da palavra latina “fasces”, como se chamava um feixe de varas, amarrado fortemente e que servia como cabo para um machado comumente carregado por magistrados da Roma Antiga, como símbolo de seu poder. Trata-se de uma metáfora, segundo a qual o povo bastante unido é mais forte, assim como varetas podem se tornar rígidos cabos de machados.
Em 1922, um jornalista italiano, até pouco tempo antes filiado ao partido socialista italiano, partido aliás que dominava a política italiana após a I Guerra Mundial, chamado Benito Mussolini, liderou 25 mil filiados ao seu partido (portanto, fascistas) vestidos de camisas pretas numa marcha que atravessou toda a cidade de Roma. O impacto daquela demonstração de poder foi tamanho que o rei Victor Emmanuel II delegou a Mussolini plenos poderes para formar um governo nos moldes que melhor desejasse. Após liquidar todos os demais partidos, nascia a ditadura fascista, liderado por Mussolini, agora ostentando seu pretensioso título de Il Duce (o líder).

A história não transcorreu de maneira muito diversa na Alemanha. O fim do conflito mundial levou grupos de esquerda a disputarem o poder, sendo o partido comunista alemão um dos mais presentes na política nacional. Mas seus adversários de direita não se davam por vencidos.

Em 1923, um dos muitos partidos de extrema-direita, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cujos membros eram denominados nazistas, impetrou um golpe contra o governo da Baviera num episódio conhecido como Putsch da Cervejaria, na cidade de Munique. O líder do malfadado golpe era um ex-cabo do exército alemão, Adolf Hitler, que passou alguns anos preso, quando escreveu um livro, Mein Kampf (ou Minha Luta), em que expunha seus mais íntimos pensamentos racistas: ao logo de seus páginas, Hitler definia o que denominava de “Untermenschen”, ou “sub-humanos” - em oposição à “raça ariana”, conformada por loiros de olhos azuis e descendentes de germânicos ou nórdicos. Eram eles africanos, eslavos, ciganos, judeus, dentre outros. Ao apagar das luzes da II Guerra Mundial, os nazistas haviam dado cabo à vida de mais de 14 milhões de “Untermenschen”.

Outro conceito apresentado por meio do seu livro era denominado Lebensraum, ou “Habitat”: era a posse das terras cultiváveis da Rússia ocidental, que garantiriam os recursos necessários para que a “raça ariana” desenvolvesse seu tipo almejado de sociedade.

Outro ponto abordado por Hitler foi o ressentimento que os alemães sentiam pelos termos severos do Tratado der Versalhes, que havia jogado grande parte dos custos e indenizações da I Guerra Mundial nas costas dos alemães. Em decorrência disso, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas comuns se avolumavam. Outra provocação lançada pela obra foi o boato de que o exército alemão não havia sido derrotado nos campos de batalha, mas por políticos democratas que traíram a nação quando havia plenas chances de vitória.

Quando os impactos da Crise de 1929 alcançaram a Alemanha, Hitler declarou que  responsabilidade por aquela hecatombe financeira era de banqueiros judeus. A popularidade dos nazistas subia incontida. Nas eleições de 1932, os nazistas conseguiram se tornar maioria no Reichstag (Parlamento alemão) e Hitler saiu ddas eleições legislativas como o novo chanceler, assumindo o cargo em janeiro de 1933.

Em fevereiro, ocorreu o que mais se temia. O prédio do Parlamento amanheceu em chamas e os nazistas logo agiram para pôr a culpa nos comunistas, que passaram a ser perseguidos pela polícia. Logo depois passaram a fazer o mesmo com o restante da oposição. Já em agosto de 1934 não restava mais nenhum partido, exceto os nazistas, e seu líder, Hitler, passou a ser designado como “Fuhrer” (Líder). Para garantir os desígnios do grande líder, o partido nazista contava com polícia secreta, a Gestapo, e com paramilitares, a SS. Todos os desafetos estavam automaticamente na mira dessas duas corporações fascistas.

Se Hitler ambicionava a construção de um Reich (Reino) de perduraria por mil anos, Mussolini sonhava com a reconstrução do Império Romano. Em 1935, Il Duce decidiu invadir o reino africano da Abissínia, atual Etiópia. Embora agisse contra a decisão da Liga das Nações, primeira edição da ONU e criada após a I Guerra Mundial, Mussolini não recuou nem mesmo quando a Liga decretou sanções econômicas contra a Itália.

Aliás, agir contra a decisão da Liga (relembrando, instituição antecessora da ONU e criada nos mesos moldes daquela) foi uma atitude igualmente adotada pela Alemanha nazista em 1934, após se retirar da Liga em 1933 e reintroduzir o recrutamento de soldados e o reaparelhamento de suas Forças Armadas, medidas vedadas pelo Tratado de Versalhes.

O passo seguinte do almejado Reich milenar foi a expansão territorial baseada em critérios nacionalistas: onde quer que se falasse alemão, Hitler julgava ser Alemanha. Iniciando pela Áustria, a Alemanha promoveu sua anexação, a Anschluss (união), medida também vedada pelo Tratado de Versalhes; depois, passou à região dos sudetos da Tchecoeslováquia, habitadas primordialmente por falantes de alemão; diante da total falta de contraposição, Hitler terminou por anexar a Tchecoeslováquia toda e completou sua obra de provocação anexando a Polônia à sua Alemanha anabolizada.

Esta foi a gota d`água que fez o copo da II Guerra Mundial transbordar.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de História do Mundo”

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