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sexta-feira, 5 de outubro de 2018

CONFEITARIAS DO RIO: O DOCE SABOR DA MODERNIDADE



O período que se estende do final da Guerra do Paraguai, em 1870, até o fim do Império, 1889, foi marcado por mudanças muito significativas na vida urbana da cidade do Rio de Janeiro. Embora a economia do país houvesse melhorado bastante desde o advento do café como o principal produto de exportação do país, a Guerra provocou um incremento de despesas insuportável para os cofres públicos, ao passo que o preço do café no mercado internacional despencava como não se havia visto ainda. A dívida externa que o país contraiu de bancos ingleses explodiu: armas e capitais vinham da Ilha do Norte, enquanto que os recursos necessários para quitá-los escasseavam. Não se olvide também a mudança estrutural por que passava o Exército, a cada dia mais tomado por ideias abolicionistas e republicanas, o que se devia ao aumento do contingente total e dos membros vindos da classe média e dos escravos.

A situação econômica preocupante chega ao ponto de parte da imprensa chamar o país de “orçamentiroso”. O grande aumento dos lucros advindos das exportações de café converteu o Brasil num grande importador de produtos industrializados vindos das nações mais desenvolvidas. A consequência disso foi o enfraquecimento do processo de industrialização nacional, tornando as indústrias brasileiras não competitivas. Com a crise, o país perdia divisas rapidamente.

Tudo isso corria pari passu com as seguidas leis que punham, lentamente, um fim na pérfida instituição da escravidão. Após a lei dos Sexagenários, de 1885, movimentos de rua puseram um ponto final naquela situação vergonhosa.

As agitações políticas, sociais e culturais levaram ao surgimento associações, grêmios, clubes, políticos, literários, recreativos, abolicionistas, de choro, carnavalescos etc. Essa aproximação dos membros da sociedade leva à substituição de algumas das funções antes a cargo da família pelas sociedades civis, o que enfraquece o poder do patriarcado.

As condições de higiene, tradicionalmente sofríveis na imunda capital, passavam por transformações revitalizadoras. Foi por essa época que Alexandre Gary firmou contrato com o município para realização da limpeza urbana; outro empresário, Joseph Fogliani, recebeu a concessão de banhos públicos em estabelecimentos hidroterápicos. Pela primeira vez as pessoas tomariam banho de ducha – ou “banho de chuva”. Parecia que a contínua e quase ininterrupta epidemia de febre amarela, o grande inimigo público da cidade ao longo de toda a segunda parte do século XIX, estava com os dias contados.

Documentado pela primeira vez no verão de 1849, os surtos de febre amarela eram constantes. Muitos criam ser aquela uma punição divina pela decisão de se excluir a imagem de São Benedito da Procissão das Cinzas naquele ano.

Mas aquela epidemia incontida trouxe graves consequências: impediu um movimento imigratório mais intenso, manchou a imagem do país junto às nações mais desenvolvidas e chegou ao ponto de impedir a atracagem de navios saídos do Rio de Janeiro em portos de todo o mundo.

Um dos símbolos da entrada do país na modernidade foi a revogação do “toque de Aragão” na capital. Mecanismo utilizado na Europa medieval, devia seu nome ao seu fundador, o intendente de polícia Francisco Alberto Teixeira de Aragão, no primeiro Império. Consistia na proibição de tráfego de pessoas após as 21h no inverno e 22h no verão e até a alvorada seguinte. O sinal era dado pelo sino da igreja de São Francisco de Paula. A não observação da norma tornava o cidadão sujeito a revista pela polícia.

Mas havia os insujeitos de sempre: os capoeiras (os “vagabundos” da época), as mulheres da vida. O fim da ordem levou ao surgimento dos boêmios, tipo social que se tornaria símbolo da cidade.
A vida noturna, pelo aspecto musical, levou ao surgimento dos seresteiros; nasceu o choro.

A vida literária também teve impulso, mas muito limitado pelo fato de a sociedade brasileira ser ainda notoriamente conformada por analfabetos. Poetas e escritores ficavam um tanto restritos a servirem de ornamento social: exibiam seu vocabulário sofisticado e rebuscado em reuniões com seus pares, especialmente em confeitarias – não à toa conhecidas como “colmeias dos ociosos”.

Outra maneira de os intelectuais passarem seu tempo era defendendo seu “time” em rodas de boêmios. Eram as famosas “panelinhas”, que reuniam os simpatizantes daqui contra os antipáticos dacolá (de outra “panelinha”). As disputas se davam em torno de polêmicas, guerras de metáforas, proteção de membros contra ataques literários do “inimigo” e até perseguições.

As primeiras confeitarias brasileiras remontam à chegada da Corte, em 1808. Mas somente após 1834, quando o sorvete enfim aqui aportou, não era um local de reuniões familiares. Mas as mulheres estrangeiras, mais acostumadas àquela novidade, abriram caminho para que as brasileiras o fizessem. 
Entretanto, somente até as 17h. Após esse horário-limite, as únicas mulheres ali avistáveis eram as concorridas “cocotte”: prostitutas, elegantes, geralmente francesas, atuantes nos cafés-cantantes e moradoras das pensões de artistas.

Uma das confeitarias mais afamadas da cidade era a Confeitaria Castellões, localizada na rua do Ouvidor, 19. Era bastante frequentada por atores e músicos – o mais famoso era Carlos Gomes, amigo pessoal do proprietário. Era também um dos pontos de venda de ingressos de teatro.

Seguindo pela rua do Ouvidor, no número 128 havia a Confeitaria Paschoal. Quem batia ponto ali era o poeta Olavo Bilac, além do jornalista José do Patrocínio. Aliás, após um desentendimento entre o poeta e o proprietário do estabelecimento, toda a “panelinha” do literato se transferiu para a concorrente Confeitaria Colombo.

Esta última, após se tronar ponto de encontro dos membros da Academia Brasileira de Letras, recebeu o apelido de Sucursal da Academia.

Uma novidade que foi adotada com ardor pelos cariocas foram os espetáculos de variedades dos cafés-dançantes – alguns viraram locais de quase veneração. Inaugurados pelo Alcazar Lírico, os homens e as cocotas, que formavam seu público fiel, animavam-se diante da possibilidade de um eventual “rendez vous”. Os locais eram animados também por canções de letras maliciosas, de duplo sentido.

A mobilidade urbana sofreu um salto tecnológico com a inauguração das primeiras linhas de bondes, a partir de outubro de 1868. A companhia pioneira chamava-se Ferro-Carril do Jardim Botânico. O nome bonde foi dado em razão do momento difícil por que passava a economia brasileira: o Ministro da Fazenda Visconde de Itaboraí criou um programa de financiamento público mediante a colocação de títulos públicos (bonds, em inglês), também chamados de vales – os credores do governo eram portadores desses bonds. Como a moeda continuava sendo coisa rara naquela época, a companhia Ferro-Carril seguiu o mesmo procedimento do governo e passou a emitir bilhetes de mil-réis que tanto poderiam ser usados no pagamento das passagens como eram meios circulantes, aceitos pelo comércio em geral como se moeda fossem. Daí para o veículo puxado por burros sobre trilhos ser chamado de bonde foi um pulo.

O ponto final da primeira linha de bondes ficava na esquina das ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias. Lá, agrupavam-se os “voyer” da época: os “bolina” e os “espia”, atentos para não perder nenhuma perna descuidada ou um tornozelo de fora, quando as moças saltavam dos carros.

A chiquérrima rua do Ouvidor tinha muitos nomes: rua-salão, clube ao ar livre, França Antártica, rainha da moda e da elegância, fórum de debates, via dolorosa dos maridos pobres, pátria dos franceses de todos os países e dso boêmios de todas as idades, beco dos faladores e muito mais.

Toda a elegância da rua e sua exclusividade que tanto encantava as pessoas mais abastadas se devia à proibição de que por ela transitassem pessoas descalças: portanto os escravos eram proibidos de andar ao longo dela. Era uma rua estreita, onde se acotovelavam pessoas vestidas elegantemente, em busca das muitas lojas – a grande maioria pertencente a franceses - de roupas, cabeleireiros, confeitarias etc. O jornal Gazeta de Notícias tinha sua sede na Ouvidor e sua coluna social abordava os aspectos intrigantes da famosa boulevard.

Outro evento que deixava a sociedade carioca em polvorosa era as companhias de teatro estrangeiras quando aqui aportavam. Desde o início das viagens transoceânicas por navios a vapor a chegada dessas “troupes” se tornou frequente. Eram companhias francesas, italianas, espanholas e, a maioria, portuguesas que causavam até o fechamento do comércio mais cedo.

Os rapazes mais afoitos exigiam até intervenção policial para desgrudarem das jovens atrizes. Os petiscos mais consumidos eram os biscoitos Sinhá com refresco de groselha com polpa de tamarindo. Os menos abastados se juntavam na “torrinha”, a galeria mais alta dos teatros e mais barulhenta.

O Teatro mais exclusivo era o Teatro Lírico – muito frequentado por D. Pedro II. Embora fosse o teatro mais aconselhável às damas da sociedade, era onde se reuniam mais numerosamente as cocotas.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Chiquinha Gonzaga: uma história de vida”

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