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terça-feira, 6 de novembro de 2018

O FREIO DE MÃO DA ECONOMIA OCIDENTAL



As últimas décadas têm demonstrado um efeito sobre a economia ocidental batizado de “grande reconvergência”. O crescimento econômico acelerado na Ásia tem levado à redução do “gap” que separa a riqueza do ocidente daquela do oriente, levando o centro de gravidade da economia mundial cada vez mais em direção ao Leste. E esse era mais ou menos o cenário em 1500, quando da ascensão do Ocidente, a reboque da “descoberta” da América.

E a palavra que melhor define o fenômeno acima é “desalavancagem”: reduzir dívidas e reequilibrar orçamentos. Só nos EUA, a soma das dívidas pública e privada excede em 250% o valor do PIB. A situação não é muito diferente na Grã Bretanha, na Austrália, no Canadá, na Coréia do Sul e nos países desenvolvidos da Europa continental, como a Alemanha.

O raciocínio é o seguinte: famílias se endividaram excessivamente, estimuladas pelo aumento estratosférico do preço dos imóveis; para pagar suas dívidas, as famílias tiveram de reduzir seu consumo; tal redução levou à desaceleração da demanda agregada; o governo passou a temer uma eventual deflação (redução de preços) acompanhada de desaceleração da economia, o que prejudicaria o pagamento da dívida; para tanto, o governo interveio na economia por meio de injeção de moeda e aumento dos gastos públicos; evitou-se a contração da economia, mas a crise da dívida privada se transformou numa crise da dívida pública.

Quanto aos Bancos Centrais, inflaram seus balanços para ajudar a fechar os balanços patrimoniais dos bancos privados. Seja como for, a recuperação econômica observada ficou bem abaixo do que se esperava.

Ao cenário um tanto cinzento acima descrito, somam-se o aumento do desemprego provocado pela automação e a enorme concentração econômica das últimas décadas.

A teoria econômica fornece três métodos básicos para se lidar com  a dívida pública: 1) elevar a taxa de crescimento do PIB acima da taxa de juros incidente sobre a dívida; 2) declarar moratória da dívida pública e cessar os pagamentos da dívida privada; 3) utilizar a inflação para forçar a redução da dívida real.

Todas essas hipóteses já foram postas em prática. A Alemanha pós-I Guerra Mundial usou a inflação para fazer frente às despesas brutais impostas pelos vencedores do conflito no Tratado de Versalhes – terminaram convivendo com uma hiperinflação épica. Já os EUA pós-Crise de 1929 optaram por declarar moratória da dívida pública e inadimplir quanto às privadas. Ressalte-se que o mundo que saiu a Segunda Guerra usou largamente a inflação a seu favor, como foi o caso dos países europeus em geral.

Mas a capacidade de dada sociedade conviver com inflação é algo que deve ser analisado sob o ponto de vista político. São fatores importantes para que ela venha a ocorrer: a educação da elite local; competição ´; o funcionamento do sistema judicial, os índices de violência ; o cenário político local.

Por fim, vale expor o fato de que apenas 10 instituições financeiras atualmente manejam ¾ de todos os ativos financeiros dos EUA. E, pasmem, faltam cerca de 50 bilhões de dólares para que elas atendam aos requisitos mínimos de capital bancário para atender aos critérios dos Acordos da Basileia III.

Somam-se a esses obstáculos um tanto desanimadores: atualmente é cem vezes mais caro lanças um medicamento novo no mercado do que há 60 anos; os critérios atuais utilizados pela FDA (Food and Drug  Administration) são de tal monta incompreensíveis que vedariam a venda de sal de cozinha nos EUA (afinal, em grandes quantidades é tóxico); um jornalista norte-americano levou 65 dias para conseguir a permissão para montar uma barraca de limonada em New York (foram cinco semanas de espera até o Certificado de Segurança Alimentar), problema tipicamente citado por economistas para explicar o desempenho ruim de países em desenvolvimento.

Hoje, é 50% mais improvável que uma pessoa nascida no estrato 25% mais pobre dos EUA consiga ascender ao estrato 25% mais rico da sociedade, comparando-se com 30 anos atrás.

Tudo isso somado leva a crer na tal “elite cognitiva”, conforme descrita por Charles Murray: pessoas educadas em universidade privadas caríssimas; que contraem matrimônio entre si, num círculo social bastante exclusivo; que residem em endereços muito valorizados. Essa nova “casta” de super-ricos cria os mecanismos que garantem o sucesso de seus descendentes, ainda que estejam distantes anos-luz de qualquer sombra de brilhantismo.

Talvez resida aí o motivo da sociedade de oportunidades ter se tornado um tormento aos mais pobres.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A grande degeneração”, Niall Ferguson

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