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terça-feira, 30 de outubro de 2018

AS MUITAS FACES DO FASCISMO EM FACE DE SEUS FÁUSTICO FASCÍNORAS



É natural que se relacione uma teoria com o local em que esta veio à luz. Portanto o locus do nazismo é a Alemanha da República de Weimar; o locus do fascismo é a Itália pós-I Guerra Mundial, a monarquia encabeçada pelo rei Vittorio Emanuel.

Uma dificuldade para que se conceitue o fascismo é o fato de que seu criador, Mussolini, não se preocupou em momento algum em dar maior consistência intelectual à sua fétida teoria. Portanto, analisar o fascismo, e seu filho ainda mais diabólico, o nazismo, é, antes de tudo, analisar a trajetória histórica nefasta de ambas.

Embora o Brasil seja um país recente na história da humanidade, cuja independência remonta a 1822, tanto a Itália quanto a Alemanha são ainda mais recentes como nações independentes. Em meados do século XIX ocorreram transformações intensas do mapa da Europa, causadas pelo desmoronamento de antigos e caducos impérios – caso do império turco-otomano. Nesse ambiente de transformações surgiram dois Estados, poderosos desde o berço: Alemanha e Itália, ambos entre os mais ricos, industrializados e populosos de toda a Europa desde o primeiro dia de suas existências.

Ambos os Estados eram conformados por reinos independentes e teimosamente beligerantes, diversos deles possuíam inclusive moeda e leis próprias, contudo compartilhavam línguas muito semelhantes e pertenciam ao mesmo grupo étnico. A partir do século XIX se tornou comum identificar povos por sua nacionalidade, isto é, todos deveriam fazer parte de uma nação, e o principal critério era a língua local.

Para o reforço dessa identidade nacional, artistas lançavam mão de mitos e lendas de um pseudo-passado remoto, exposto em músicas folclóricas e que deram origem a tradições cuja ancestralidade é mais do que questionável.

A unificação italiana partiu do Reino do Piemonte, no norte da Península Itálica. Era o reino mais rico e mais industrializado da região. Desde 1852, seu primeiro-ministro, Camillo di Cavour, deu início a ações de diplomacia e de guerra que levaram à fundação do Reino da Itália, em 1861. O rei do Estado nascente era o rei do Piemonte, Victor Emmanuel II – Roma seria anexada em 1870.

No caso da Alemanha, o Estado a liderar o movimento de unificação dos reinos germânicos (a maior parte dos quais fazia parte do império Austro-Húngaro) foi a Prússia, cujo primeiro-ministro, Otto von Bismarck, usou das mesmas táticas diplomático-beligerantes, que incluíram a fomentação de três guerras, para unir os Estados e Reinos germânicos em torno de um ente nacional apenas. Tendo amealhado um conjunto invejável de vitórias na execução de seu intento, em 1871, Bismarck viu o rei da Prússia, Guilherme, ser entronado como kaiser do Império Alemão. O novo império surgia com o domínio sobre as regiões da Alsácia e da Lorena, cuja posse seria um dos fatores a desencadear a I Guerra Mundial.

Pois bem. O surgimento de Estados fortes e industrializados a disputarem a liderança econômica num mundo dividido entre Impérios europeus poderosos levou a um fim inexorável: a I Guerra Mundial. O fim daquela carnificina revelou um continente agora exausto, paupérrimo, povoado por seres amargurados, muitos dos quais soldados ressentidos com seus governos, os quais julgavam fracos e não confiáveis, sem falar naqueles que sentiam não terem feito o bastante pelos milhões de irmãos que viram perecer nos campos de batalha.

Isto é: os esforços empregados ao longo dos quatro anos infernais do conflito pareciam ter sido em vão; o retorno da paz trazia consigo políticos repudiados pelos cidadãos; a democracia se mostrava inútil frente desgraça do conflito que não foi capaz de evitar. Só um desejo parecia ecoar desse monte de entulhos que se tornara a civilização: um líder forte, carismático, que pudesse unir a Nação, tirá-la do lamaçal e lança-la rumo ao progresso e à riqueza material.

Esse foi o locus originador da, talvez, mais ignóbil teoria que uma mente doentia poderia arquitetar. De raízes nacionalistas e militaristas, o fascismo deitou raízes em todo o continente europeu nas décadas de 1920 e 1930, mas tomou de assalto especialmente a Alemanha e a Itália.

Em face de sua aridez intelectual, o fascismo foi adquirindo aspectos locais onde quer que fosse praticado – por exemplo, o antissemitismo foi mais forte na Alemanha do que na Itália. Mas em alguns aspectos eles concordavam: o fascismo é autoritário e violento, a xenofobia faz-se sempre presente; o ódio às minorias étnicas é uma constante; assim como o repúdio total a socialistas, comunistas, liberais, democratas; o desejo de conquistas militares é outro aspecto sempre presente no diversos fascismos postos em ação.

O temor de uma Revolução Comunista atingia especialmente a classe média europeia: após a Revolução russa de 1917, um evento semelhante em seu solo tirava o sono dos mais abastados. Esse temor jogou essa classe social nos braços da extrema-direita. Essa extrema-direita na Itália era representada pelo partido político Fasci di Combattimiento – ou simplesmente os fascistas. A palavra “fascismo” deriva da palavra latina “fasces”, como se chamava um feixe de varas, amarrado fortemente e que servia como cabo para um machado comumente carregado por magistrados da Roma Antiga, como símbolo de seu poder. Trata-se de uma metáfora, segundo a qual o povo bastante unido é mais forte, assim como varetas podem se tornar rígidos cabos de machados.
Em 1922, um jornalista italiano, até pouco tempo antes filiado ao partido socialista italiano, partido aliás que dominava a política italiana após a I Guerra Mundial, chamado Benito Mussolini, liderou 25 mil filiados ao seu partido (portanto, fascistas) vestidos de camisas pretas numa marcha que atravessou toda a cidade de Roma. O impacto daquela demonstração de poder foi tamanho que o rei Victor Emmanuel II delegou a Mussolini plenos poderes para formar um governo nos moldes que melhor desejasse. Após liquidar todos os demais partidos, nascia a ditadura fascista, liderado por Mussolini, agora ostentando seu pretensioso título de Il Duce (o líder).

A história não transcorreu de maneira muito diversa na Alemanha. O fim do conflito mundial levou grupos de esquerda a disputarem o poder, sendo o partido comunista alemão um dos mais presentes na política nacional. Mas seus adversários de direita não se davam por vencidos.

Em 1923, um dos muitos partidos de extrema-direita, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cujos membros eram denominados nazistas, impetrou um golpe contra o governo da Baviera num episódio conhecido como Putsch da Cervejaria, na cidade de Munique. O líder do malfadado golpe era um ex-cabo do exército alemão, Adolf Hitler, que passou alguns anos preso, quando escreveu um livro, Mein Kampf (ou Minha Luta), em que expunha seus mais íntimos pensamentos racistas: ao logo de seus páginas, Hitler definia o que denominava de “Untermenschen”, ou “sub-humanos” - em oposição à “raça ariana”, conformada por loiros de olhos azuis e descendentes de germânicos ou nórdicos. Eram eles africanos, eslavos, ciganos, judeus, dentre outros. Ao apagar das luzes da II Guerra Mundial, os nazistas haviam dado cabo à vida de mais de 14 milhões de “Untermenschen”.

Outro conceito apresentado por meio do seu livro era denominado Lebensraum, ou “Habitat”: era a posse das terras cultiváveis da Rússia ocidental, que garantiriam os recursos necessários para que a “raça ariana” desenvolvesse seu tipo almejado de sociedade.

Outro ponto abordado por Hitler foi o ressentimento que os alemães sentiam pelos termos severos do Tratado der Versalhes, que havia jogado grande parte dos custos e indenizações da I Guerra Mundial nas costas dos alemães. Em decorrência disso, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas comuns se avolumavam. Outra provocação lançada pela obra foi o boato de que o exército alemão não havia sido derrotado nos campos de batalha, mas por políticos democratas que traíram a nação quando havia plenas chances de vitória.

Quando os impactos da Crise de 1929 alcançaram a Alemanha, Hitler declarou que  responsabilidade por aquela hecatombe financeira era de banqueiros judeus. A popularidade dos nazistas subia incontida. Nas eleições de 1932, os nazistas conseguiram se tornar maioria no Reichstag (Parlamento alemão) e Hitler saiu ddas eleições legislativas como o novo chanceler, assumindo o cargo em janeiro de 1933.

Em fevereiro, ocorreu o que mais se temia. O prédio do Parlamento amanheceu em chamas e os nazistas logo agiram para pôr a culpa nos comunistas, que passaram a ser perseguidos pela polícia. Logo depois passaram a fazer o mesmo com o restante da oposição. Já em agosto de 1934 não restava mais nenhum partido, exceto os nazistas, e seu líder, Hitler, passou a ser designado como “Fuhrer” (Líder). Para garantir os desígnios do grande líder, o partido nazista contava com polícia secreta, a Gestapo, e com paramilitares, a SS. Todos os desafetos estavam automaticamente na mira dessas duas corporações fascistas.

Se Hitler ambicionava a construção de um Reich (Reino) de perduraria por mil anos, Mussolini sonhava com a reconstrução do Império Romano. Em 1935, Il Duce decidiu invadir o reino africano da Abissínia, atual Etiópia. Embora agisse contra a decisão da Liga das Nações, primeira edição da ONU e criada após a I Guerra Mundial, Mussolini não recuou nem mesmo quando a Liga decretou sanções econômicas contra a Itália.

Aliás, agir contra a decisão da Liga (relembrando, instituição antecessora da ONU e criada nos mesos moldes daquela) foi uma atitude igualmente adotada pela Alemanha nazista em 1934, após se retirar da Liga em 1933 e reintroduzir o recrutamento de soldados e o reaparelhamento de suas Forças Armadas, medidas vedadas pelo Tratado de Versalhes.

O passo seguinte do almejado Reich milenar foi a expansão territorial baseada em critérios nacionalistas: onde quer que se falasse alemão, Hitler julgava ser Alemanha. Iniciando pela Áustria, a Alemanha promoveu sua anexação, a Anschluss (união), medida também vedada pelo Tratado de Versalhes; depois, passou à região dos sudetos da Tchecoeslováquia, habitadas primordialmente por falantes de alemão; diante da total falta de contraposição, Hitler terminou por anexar a Tchecoeslováquia toda e completou sua obra de provocação anexando a Polônia à sua Alemanha anabolizada.

Esta foi a gota d`água que fez o copo da II Guerra Mundial transbordar.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de História do Mundo”

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

AS RAÍZES ÉTNICAS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA



As origens da música brasileira são mapeadas, em geral, desde a década de 1870. E o elemento que melhor a identificava desde o nascedouro era a influência cultural negra.

Isso só foi possível por causa da força da cultura negra, cujo símbolo mais resistente era a religião, responsável por manter vivos a dança e os cantos de origem africana.

Foi essa mesma origem religiosa comum que manteve a coesão étnica, inesperada e temida pelo poder estatal, entre os africanos aqui escravizados - o que ajudou a manter uma unidade cultural. Essa unidade cultural poderia descambar em rebelião e, assim, pôr em xeque a construção social daquela nação de base escravista.

Passou então o Estado, ao lado de sua sócia, a Igreja, a profanizar toda cultura de origem negra, com o fim de enfraquecê-la e torna-la inócua no que se refere a uma eventual mobilização de elementos da sociedade.

A solução apontada passava pela assimilação do elemento negro pela religião branca. Daí surgiu um calendário de festividades católicas que pretendia oferecer um espaço “sagrado”, segundo a Igreja, para a manifestação cultural negra, enquanto seus espaços de fato sagrados, os terreiros, eram perseguidos e proibidos pelo Estado.

Este sincretismo, pretendido e planejado pelo elemento “branco”, revelou ao mesmo tempo uma prática religiosa que poderia ser acusada de pagã por católicos europeus e uma criação musical única, sugerindo assim que os negros abraçaram o sincretismo com o fim único de manter viva sua orgulhosa bagagem cultural.

]Um elemento cultural que, historicamente, causava alvoroço entre os estratos brancos das inúmeras sociedades em que inseridas eram as danças, geralmente muito sensuais. Como é usual, a inserção cultural das danças ocorreu por meio da aculturação, da retirada de seus elementos constitutivos e sua substituição por um outro correspondente, típico da cultura local. O fandango ibérico, tido por muitos como a matriz a partir da qual surgiram todas as outras danças populares do Brasil, suscitou o seguinte comentário do sedutor Casanova, ao assisti-la na Espanha, em 1767: “uma manifestação de amor do princípio ao fim, desde o olhar de desejo até o êxtase de gozo.”

Embora de extração popular, as danças de origem africana atraiam também pessoas brancas das classes mais privilegiadas, embora a sua adesão mais decidida só tenha surgido após a entrada em cena da polca – branca, por ser polonesa; sensual, como uma dança africana.

Contudo, no Brasil, as acusações acerca dos excessos voluptuosos dos corpos quando os negros se lançavam à dança fizeram nascer a suspeita de que aquela maneira de dançar era também uma expressão de rebeldia: se seu corpo era propriedade de outro, liberá-lo por meio de movimentos exagerados era uma forma de liberá-lo. O mesmo vale para a tão propalada indisciplina do brasileiro, provável herança dos mal fadados séculos da escravidão.

Era um equilíbrio sutil: permitir o lazer dos escravos, com o fito de tornar o trabalho escravo mais suportável; mas condenavam o que consideravam um excesso de despudor.

A modernidade se encarregou de tornar aquele tipo de sociedade insustentável. Os negros alforriados que retornavam da Guerra do Paraguai engrossavam o corpo de cidadãos livres em busca de oportunidades de trabalho assalariado; o fim do tráfico negreiro tornavam a mão de obra escrava escassa; a urbanização criava oportunidades profissionais para os estamentos inferiores da sociedade. E tudo isso gerava oportunidades de ascensão social a negros e mestiços. Com o incremento da renda, surgia a necessidade de se ofertarem atividades de lazer para toda essa gente.

Fenômeno que corria em paralelo a isso tudo, a crise econômica da segunda metade do século XIX gerou a multiplicação de um tipo bem particular de escravo: o escravo de ganho. Senhores de escravo empobrecidos, mas apegados à possibilidade de possuírem um ser humano para chamar de seu, empregavam sua força de trabalho para trabalhos fora do lar. Se o escravo fosse do sexo masculino, atuava como marceneiro, ourives etc. Se fosse uma mulher, empregavam-na como vendedora de quitutes ambulante.

Estes escravos tinham o direito de guardarem parte dos ganhos para si. O resultado disso era que muitos conseguiam os recursos para comprarem sua liberdade: a carta de alforria. Esses ex-escravos logo encaravam o problema da falta de moradia. Com isso, muitos foram habitar nos pés do morro de Santo Antônio, no centro do Rio de Janeiro: era uma espécie de pro-favela, embora essa nomenclatura só fosse nascer um pouco mais tarde.

Foi justamente o escravo de ganho quem realizou a conexão entre a cultura branca, à qual acostumara-se nos tempos de servidão na casa do seu senhor; mas também tinha plena afinidade com a cultura negra, sua cultura e cultura dos seus.

O período final de vigência da escravidão viu o contingente de homens livres inflar bastante em função das muitas fugas de escravos e de concessões desenfreadas de cartas de alforria. Com isso, inúmeros negros livres buscaram nas cidades novas colocações sociais.

Tudo isso posto, nada no Brasil floresceu mais decididamente do que a música de raízes negras. Primeiramente, a execução musical ficava a cargo de tocadores - o pessoal do sereno - e das bandas. As bandas, aliás, eram presença aguardada nas festas religiosas, nas datas nacionais e nos coretos das praças públicas – estas últimas eram festividades que ocorriam invariavelmente todos os domingos.

E de nada seria o mundo da música feita no Brasil sem os negros: era ele quem mais se familiarizara com a música naquela sociedade. Afinal, o canto o acompanhara nos seus ritos religiosos, na lida do campo, nas ruas, anunciando seus produtos e serviços, assim como nas liturgias dominicais, no caso dos cristãos convertidos.

Foi esse ambiente que viu a transformação do Brasil e uma sonolenta colônia agrícola num importante mercado consumidor dos produtos industrializados europeus. Esse fenômeno foi responsável por uma completa transformação da música brasileira, dando origem a diversos estilos, produto de fusões da nossa música com as novidades vindas de fora.

Primeiro, veio a polca; depois, instrumentos musicais como o piano, instrumentos de cordas e de sopro; mais um pouco, flauta e violão caem no gosto popular. Nascem editoras e indústrias tipográficas se multiplicam. Escolas de música são fundadas.

Logo desembarcam no Brasil estilos de música popular europeias: valsa, tango, schottisch etc. E o público consumidor dessa novidade toda se firmava a cada dia: a classe dos homens livres se torna classe média com a agregação de mestiços, pequenos comerciantes, funcionários estatais, estrangeiros que para cá migravam etc.            

Paralelamente, claro, desenvolvia-se o mercado de trabalho para músicos: cafés-dançantes, confeitarias, praças e coretos, bailes, saraus, músicos de lojas de músicas... Já é possível viver como músico profissional, e assim o músico mestiço ganhou destaque, afinal conhecia aquilo que mais agradava as massas.

Embora os aristocratas, tão embevecidos pela alta cultura europeia e seu idioma oficial, o francês, do qual faziam uso rotineiramente, não se sentissem particularmente atraídos pela cultura popular de raízes negras e escravas, esta ganhou toda a sociedade como adepta e manteve vigente aquela ordem social capenga. Foi a música popular, num primeiro momento com destaque para a modinha, quem garantiu algum tipo de coesão entre classes sociais que se diferenciavam até pelo que ouviam.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Chiquinha Gonzaga: uma história de vida”

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

NÃO PRECISO FAZER NADA – VOCÊ SERÁ SUA PRÓPRIA RUÍNA



BIG BROTHER – STEVIE WONDER

Esta canção foi inspirada no livro 1984, de George Orwel, na qual o Grande Irmão é visto como um político pedindo votos. A letra mistura temas da Guerra do Vietnã (crianças, no caso jovens soldados norte americanos, morrendo) e termina criticando o assassinato de Marthin Luther King, Malcolm X e muitos outros importantes líderes negros.

Your name is big brother
You say that you're watching me on the telly
Seeing me go nowhere
Your name is big brother
You say that you're tired of me protesting
Children dying everyday
My name is nobody
But I can't wait to see your face inside my door

Your name is big brother
You say that you got me all in your notebook
Writing it down everyday
Your name is I'll see ya
I'll change if you vote me in as the pres
The President of your soul
I live in the ghetto
You just come to visit me 'round election time

I live in the ghetto
Someday I will move on my feet to the other side

My name is secluded
We live in a house the size of a matchbox
Roaches live with us wall to wall

You've killed all our leaders
I don't even have to do nothing to you
You'll cause your own country to fall
Seu nome é O Grande Irmão
Você diz que me vê pela sua tela
Indo a lugar algum
Seu nome é O Grande Irmão
Diz que está cansado dos meus protestos
Crianças morrendo todos os dias
Meu nome é “ninguém”
Mas não posso esperar para vê-lo entrando na minha casa

Seu nome é O Grande Irmão
Você diz que eu estou na sua lista negra
Você a complementa todos os dias
Seu nome é “vou te encontrar”
Mudaria tudo se você me elegesse presidente
O presidente de sua alma
Eu moro na favela
Você só vem me visitar em ano de eleição


Eu moro na favela
Um dia eu saio desse lugar

Meu nome é “solitário”
Moramos numa casa do tamanho de uma caixa de fósforos
Baratas dividem o espaço conosco

Você matou todos os nossos líderes
Não tenho que fazer nada com você
Você será a causa da destruição de seu país




Rubem L. de F. Auto 

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

CONFEITARIAS DO RIO: O DOCE SABOR DA MODERNIDADE



O período que se estende do final da Guerra do Paraguai, em 1870, até o fim do Império, 1889, foi marcado por mudanças muito significativas na vida urbana da cidade do Rio de Janeiro. Embora a economia do país houvesse melhorado bastante desde o advento do café como o principal produto de exportação do país, a Guerra provocou um incremento de despesas insuportável para os cofres públicos, ao passo que o preço do café no mercado internacional despencava como não se havia visto ainda. A dívida externa que o país contraiu de bancos ingleses explodiu: armas e capitais vinham da Ilha do Norte, enquanto que os recursos necessários para quitá-los escasseavam. Não se olvide também a mudança estrutural por que passava o Exército, a cada dia mais tomado por ideias abolicionistas e republicanas, o que se devia ao aumento do contingente total e dos membros vindos da classe média e dos escravos.

A situação econômica preocupante chega ao ponto de parte da imprensa chamar o país de “orçamentiroso”. O grande aumento dos lucros advindos das exportações de café converteu o Brasil num grande importador de produtos industrializados vindos das nações mais desenvolvidas. A consequência disso foi o enfraquecimento do processo de industrialização nacional, tornando as indústrias brasileiras não competitivas. Com a crise, o país perdia divisas rapidamente.

Tudo isso corria pari passu com as seguidas leis que punham, lentamente, um fim na pérfida instituição da escravidão. Após a lei dos Sexagenários, de 1885, movimentos de rua puseram um ponto final naquela situação vergonhosa.

As agitações políticas, sociais e culturais levaram ao surgimento associações, grêmios, clubes, políticos, literários, recreativos, abolicionistas, de choro, carnavalescos etc. Essa aproximação dos membros da sociedade leva à substituição de algumas das funções antes a cargo da família pelas sociedades civis, o que enfraquece o poder do patriarcado.

As condições de higiene, tradicionalmente sofríveis na imunda capital, passavam por transformações revitalizadoras. Foi por essa época que Alexandre Gary firmou contrato com o município para realização da limpeza urbana; outro empresário, Joseph Fogliani, recebeu a concessão de banhos públicos em estabelecimentos hidroterápicos. Pela primeira vez as pessoas tomariam banho de ducha – ou “banho de chuva”. Parecia que a contínua e quase ininterrupta epidemia de febre amarela, o grande inimigo público da cidade ao longo de toda a segunda parte do século XIX, estava com os dias contados.

Documentado pela primeira vez no verão de 1849, os surtos de febre amarela eram constantes. Muitos criam ser aquela uma punição divina pela decisão de se excluir a imagem de São Benedito da Procissão das Cinzas naquele ano.

Mas aquela epidemia incontida trouxe graves consequências: impediu um movimento imigratório mais intenso, manchou a imagem do país junto às nações mais desenvolvidas e chegou ao ponto de impedir a atracagem de navios saídos do Rio de Janeiro em portos de todo o mundo.

Um dos símbolos da entrada do país na modernidade foi a revogação do “toque de Aragão” na capital. Mecanismo utilizado na Europa medieval, devia seu nome ao seu fundador, o intendente de polícia Francisco Alberto Teixeira de Aragão, no primeiro Império. Consistia na proibição de tráfego de pessoas após as 21h no inverno e 22h no verão e até a alvorada seguinte. O sinal era dado pelo sino da igreja de São Francisco de Paula. A não observação da norma tornava o cidadão sujeito a revista pela polícia.

Mas havia os insujeitos de sempre: os capoeiras (os “vagabundos” da época), as mulheres da vida. O fim da ordem levou ao surgimento dos boêmios, tipo social que se tornaria símbolo da cidade.
A vida noturna, pelo aspecto musical, levou ao surgimento dos seresteiros; nasceu o choro.

A vida literária também teve impulso, mas muito limitado pelo fato de a sociedade brasileira ser ainda notoriamente conformada por analfabetos. Poetas e escritores ficavam um tanto restritos a servirem de ornamento social: exibiam seu vocabulário sofisticado e rebuscado em reuniões com seus pares, especialmente em confeitarias – não à toa conhecidas como “colmeias dos ociosos”.

Outra maneira de os intelectuais passarem seu tempo era defendendo seu “time” em rodas de boêmios. Eram as famosas “panelinhas”, que reuniam os simpatizantes daqui contra os antipáticos dacolá (de outra “panelinha”). As disputas se davam em torno de polêmicas, guerras de metáforas, proteção de membros contra ataques literários do “inimigo” e até perseguições.

As primeiras confeitarias brasileiras remontam à chegada da Corte, em 1808. Mas somente após 1834, quando o sorvete enfim aqui aportou, não era um local de reuniões familiares. Mas as mulheres estrangeiras, mais acostumadas àquela novidade, abriram caminho para que as brasileiras o fizessem. 
Entretanto, somente até as 17h. Após esse horário-limite, as únicas mulheres ali avistáveis eram as concorridas “cocotte”: prostitutas, elegantes, geralmente francesas, atuantes nos cafés-cantantes e moradoras das pensões de artistas.

Uma das confeitarias mais afamadas da cidade era a Confeitaria Castellões, localizada na rua do Ouvidor, 19. Era bastante frequentada por atores e músicos – o mais famoso era Carlos Gomes, amigo pessoal do proprietário. Era também um dos pontos de venda de ingressos de teatro.

Seguindo pela rua do Ouvidor, no número 128 havia a Confeitaria Paschoal. Quem batia ponto ali era o poeta Olavo Bilac, além do jornalista José do Patrocínio. Aliás, após um desentendimento entre o poeta e o proprietário do estabelecimento, toda a “panelinha” do literato se transferiu para a concorrente Confeitaria Colombo.

Esta última, após se tronar ponto de encontro dos membros da Academia Brasileira de Letras, recebeu o apelido de Sucursal da Academia.

Uma novidade que foi adotada com ardor pelos cariocas foram os espetáculos de variedades dos cafés-dançantes – alguns viraram locais de quase veneração. Inaugurados pelo Alcazar Lírico, os homens e as cocotas, que formavam seu público fiel, animavam-se diante da possibilidade de um eventual “rendez vous”. Os locais eram animados também por canções de letras maliciosas, de duplo sentido.

A mobilidade urbana sofreu um salto tecnológico com a inauguração das primeiras linhas de bondes, a partir de outubro de 1868. A companhia pioneira chamava-se Ferro-Carril do Jardim Botânico. O nome bonde foi dado em razão do momento difícil por que passava a economia brasileira: o Ministro da Fazenda Visconde de Itaboraí criou um programa de financiamento público mediante a colocação de títulos públicos (bonds, em inglês), também chamados de vales – os credores do governo eram portadores desses bonds. Como a moeda continuava sendo coisa rara naquela época, a companhia Ferro-Carril seguiu o mesmo procedimento do governo e passou a emitir bilhetes de mil-réis que tanto poderiam ser usados no pagamento das passagens como eram meios circulantes, aceitos pelo comércio em geral como se moeda fossem. Daí para o veículo puxado por burros sobre trilhos ser chamado de bonde foi um pulo.

O ponto final da primeira linha de bondes ficava na esquina das ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias. Lá, agrupavam-se os “voyer” da época: os “bolina” e os “espia”, atentos para não perder nenhuma perna descuidada ou um tornozelo de fora, quando as moças saltavam dos carros.

A chiquérrima rua do Ouvidor tinha muitos nomes: rua-salão, clube ao ar livre, França Antártica, rainha da moda e da elegância, fórum de debates, via dolorosa dos maridos pobres, pátria dos franceses de todos os países e dso boêmios de todas as idades, beco dos faladores e muito mais.

Toda a elegância da rua e sua exclusividade que tanto encantava as pessoas mais abastadas se devia à proibição de que por ela transitassem pessoas descalças: portanto os escravos eram proibidos de andar ao longo dela. Era uma rua estreita, onde se acotovelavam pessoas vestidas elegantemente, em busca das muitas lojas – a grande maioria pertencente a franceses - de roupas, cabeleireiros, confeitarias etc. O jornal Gazeta de Notícias tinha sua sede na Ouvidor e sua coluna social abordava os aspectos intrigantes da famosa boulevard.

Outro evento que deixava a sociedade carioca em polvorosa era as companhias de teatro estrangeiras quando aqui aportavam. Desde o início das viagens transoceânicas por navios a vapor a chegada dessas “troupes” se tornou frequente. Eram companhias francesas, italianas, espanholas e, a maioria, portuguesas que causavam até o fechamento do comércio mais cedo.

Os rapazes mais afoitos exigiam até intervenção policial para desgrudarem das jovens atrizes. Os petiscos mais consumidos eram os biscoitos Sinhá com refresco de groselha com polpa de tamarindo. Os menos abastados se juntavam na “torrinha”, a galeria mais alta dos teatros e mais barulhenta.

O Teatro mais exclusivo era o Teatro Lírico – muito frequentado por D. Pedro II. Embora fosse o teatro mais aconselhável às damas da sociedade, era onde se reuniam mais numerosamente as cocotas.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Chiquinha Gonzaga: uma história de vida”

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

UM RIO DE MODERNIDADE: DO LAMPIÃO ÀS LEIS DE TRÂNSITO



Em meados do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro contava cerca de 250 mil almas, metade aproximadamente conformada por escravos. A área habitada desenhava um arco indo do Campo de Santana ao Largo do Machado, a oeste, tendo o mar como limitador a leste. Era ali que se desenrolava a vida urbana.

A cidade se encontrava no limiar entre uma cidade dos tempos medievais e uma outra, dos tempos modernos: falta de esgoto, calçamento precário, lama e poeira, mendigos, “capoeiras”, epidemias... tudo isso convivendo com incipientes serviços de entrega de água em domicílio, o que se dava por meio de carroças com pipas, serviços de entrega de correspondências, operado pelo Correio.

Em 1847, uma novidade surpreendeu os cariocas: a Câmara Municipal editou uma postura (lei) que estabelecia mão e contramão nas vias da capital do Império. As melhorias das antes estreitas e imundas vias públicas levaram à necessidade de se estabelecer uma ordem no tráfego de veículos puxados por animais, liteiras, seges, caleches, cabs, tílburis, vitórias, berlindas, ônibus e gôndolas que disputavam espaço no trânsito em ebulição – ah! Com as lanternas acesas à noite, exceto se fosse noite de lua cheia.

O ano de 1850 viu um dos eventos de maior repercussão na história nacional: a abolição de tráfico de escravos, embora ainda tivéssemos de conviver com o instituto da escravidão por mais algumas décadas.

Este fato levaria ao incremento de investimentos de capitais em diversas áreas da economia, afinal o volume de capitais investidos no tráfico de escravos era imenso. Sem falar que o Brasil dera um passo importante para ser admitido no clube das nações civilizadas.

Embora a chegada da família real portuguesa tivesse dado o impulso inicial à modernização da colônia americana, a primeira metade daquele século ainda vivia sob a gravíssima crise econômica provocada pelo declínio da atividade de mineração. Contudo, já a partir de 1850 o progresso vertiginoso observado nas lavouras de café deixava o pior para trás. A produção crescia, as exportações de café galopavam, em breve o Brasil conquistaria a dianteira do mercado internacional do grão. Capitalistas enriquecidos disponibilizavam capitais para empreendimentos ligados À construção de ferrovias, telégrafos, iluminação pública etc.

A cidade do Rio de Janeiro viu suas ruas iluminadas pelos postes a gás já em 1854. O empreendimento foi levado a cabo por Irineu Evangelista de Souza, o incansável Barão de Mauá. Seu termo de compromisso quanto à qualidade do que empreendera previa uma iluminação pública “superior à de Londres e nunca inferior à de Manchester”. Mas a prática já dava sinais de desentendimentos que acompanhariam as obras públicas brasileiras: a polícia acha a iluminação dispensável nas noites de luar; o Ministro da Justiça discorda e obriga o funcionamento mesmo nas noites de “lua oficial”; a imprensa crê que manter os lampiões acesos todas as noites “apagará” a bela poesia do luar e afundará as já combalidas finanças do Império... O carioca não perdeu o humor: o gás (lampião a gás) virou lamparina.

Como consequência da interrupção do tráfico de escravos e, por extensão, da entrada de escravos novos no país, a proporção de escravos em relação à população total do país entrou em declínio: em 1850 era de 31%, em 1872 se reduziu a 15% e em 1887 representava meros 5%. Simultaneamente, a população livre saiu da insignificância para se consolidar como uma classe social importante. Se a sociedade brasileira era dividida até então dividida em duas classes sociais sem qualquer interseção, senhores e escravos, surgia agora uma terceira: os homens livres, a mais urbana das três.

As divisas advindas das exportações de café, somadas aos homens livres produzindo riquezas, o comércio em franca expansão, tudo isso levou a obras de transporte urbano e à abertura de ruas e avenidas, novos bairros explodiam e levavam os limites urbanos a regiões a cada dia mais distantes. A primeira linha de bonde é inaugurada; artistas e intelectuais se tornavam a cada dia mais numerosos.

Esses artistas e intelectuais saiam, em geral, da nova classe dos homens livres. Além de poderem pretender à ascensão social por meio da arte e da literatura, contavam com o prestígio advindo do fato de não exercerem atividades manuais – atividades localizadas no fundo do poço da reputação num país escravagista e admirador do ócio.

Antes desses proto-artistas tupiniquins, a cultura brasileira era marcantemente europeia. Embora os negros escravizados trouxessem e até mesmo desenvolvessem uma cultura popular própria, a condição de escravos desvalorizava e desestimulava seu consumo pelo restante da sociedade. Até 1808 não fazia sentido falar em cultura nacional – Aleijadinho, Domingos Caldas Barbosa eram exceções que confirmavam a regra. Mesmo as realizações artísticas brasileiras eram carregadas de elementos alienígenas, notadamente franceses.  Nas palavras de Nelson Werneck Sodré: “Trata-se, no conjunto, de arte estrangeira, elaborada no Brasil por coincidência ou acidente”. Creia: os brasileiros eram os assinantes mais numerosos da publicação francesa Revue des Deux Mondes, depois dos franceses.

Mas então surgiu o barco a vapor. Esse meio de transporte revolucionário encurtou a travessia do Atlântico, aproximando a Europa da América. Saem os degradantes navios negreiros e entram em cena os paquetes franceses. As remessas de escravos africanos são substituídas por passageiras francesas e polonesas, a cada dia mais frequentes e numerosas, importadas por donos de pensão de dos novos cafés à parisiense que pululavam as novas ruas cariocas. Mas nem todos comemoraram os novos tempos. Como disse um político conservador, por volta de 1859, citado por Caio Prado Junior: “Antes bons negros da costa da África do que todas as teteias da rua do Ouvidor”.

Os novos estabelecimentos de diversão, inspirados no que havia de mais moderno na França, trouxeram o espetáculo de variedades. Os locais eram de propriedade de franceses que se estabeleceram na rua da Vala, atual rua Uruguaiana. Ali nasceu aquela que se tornaria a casa mais famosa dentre os boêmios da cidade: Alcazar Lírico. Sua programação girava em torno de canto e dança, surgindo daí o apelido dado pelos cariocas ao gênero daquele tipo de espetáculo: café-dançante. Mais tarde surgiriam os “chopes-dançantes”.

Pouco a pouco o Rio de Janeiro faria jus ao apelido que receberia: barulhópolis. Ao barulho das festividades religiosas – com os gogos de artifício importados da China -, das bandas desfilando pelas ruas, dos sinos das igrejas, dos escravos de ganho anunciando seus produtos, somavam-se agora os sons emitidos pelas novíssimas casas noturnas.

Outro efeito que surgia pouco a pouco era o afrouxamento dos costumes e regras morais. Uma das responsáveis por isso atendia por Aimée, atriz francesa estrela-maior do Alcazar Lírico, e tormento maior das mulheres casadas da cidade.

Ao par das atrações citadas, havia o teatro lírico, bailes, saraus para os senhores mais finos; cavalhadas, touradas e regatas para os amis populares; podiam-se assistir também a apresentações de animais exóticos, como elefantes e baleias. As famílias se reuniam para disputadas partidas de voltarete, dominó, gamão, baralho. Mas o povo gostava mesmo era de cantar e dançar.

Os cariocas se deliciavam ao som de rabecas e pianos, especialmente. Flautas e atabaques eram acompanhados por descontraídas palmas e por assobios. Festas religiosas e coretos davam uma oportunidade a mais para as pessoas se divertirem ao som de muita música.

Se os salões mais disputados eram dedicados à valsa, as reuniões familiares eram animadas pela polca. Já a gente escrava e mais pobre se divertia com rodas de dança ao ritmo do lundu, precursor do samba.

E assim se vivam os dias da capital do Império brasileiro...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Chiquinha Gonzaga: uma história de vida”

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

LIBERDADE NÃO É DADA, É LUTADA E SUADA – REVOLUÇÃO AMERICANA



A Revolução que resultou na fundação da República dos Estados Unidos da América pode ser classificada de duas maneiras: alguns diriam que foi uma guerra cujas batalhas se estenderam entre 1775 e 1783, opondo colonos britânicos e sua metrópole desejosa da manutenção de seu poder; outros buscariam razões e justificativas auscultando um período maior de tempo. Seguiremos segundo o último grupo.

A Revolução americana envolveu um conjunto de 13 colônias britânicas que ocupavam o lado oriental da América do Norte. Essas colônias não tinham autonomia, haja vista não estarem representadas no Parlamento de Westminter. Por outro lado, contavam com um Parlamento local, cujas decisões deveriam ser referendadas na metrópole. Embora os colonos reclamassem maior autonomia, o rei George III podava qualquer pretensão nesse sentido.

Este estado de coisas só começou a mostrar mudanças a Guerra dos Sete Anos. Essa série de conflitos marcou uma verdadeira guerra mundial entre França e Grã Bretanha, incluindo metrópoles e colônias localizadas em todo o mundo. Os eventos relacionados àquela guerra ocorridos na América do Norte ficaram conhecidos como Guerra Franco-Indígena. Os colonos lutaram lado a lado com os soldados britânicos, como súditos leais e orgulhosos da Coroa britânica.

Os conflitos tiveram fim em 1763, tendo os britânicos como vencedores. Mas a Coroa britânica estava falida. Para que as forças de segurança britânicas continuassem a proteger as colônias americanas, estas deveriam pagar os custos desse serviço: isto é, deveriam pagar impostos. Além disso, a Coroa decidiu que novos assentamentos a Oeste, além dos montes Apalache, estavam vedados – com isso evitavam aumento de despesas e novos conflitos envolvendo os índios locais.

Em 1765, uma nova medida teratológica foi enfiada goela abaixo dos colonos: a Lei do Selo exigia a presença de um selo em todos os documentos legais, dentre outros. A revolta foi grande, especialmente por não se consultar em momento algum a opinião dos colonos atingidos por aquela lei.  

Decididos a não permitir serem tratados como cidadão de segunda classe, exigiram que somente a Assembleia local poderia aprovar a criação de impostos: “Não à taxação sem representação” passou a ser o slogan de protesto.

A Lei do Selo foi revogada. Mas o Parlamento britânico não aceitou a exigência de autonomia para criação de impostos e aprovou uma série de impostos sobre bens importados pelas colônias.
A revolta dos colonos atingiu novos patamares. Agora os colonos se autodenominavam “ingleses nascidos livres” e viam as medidas da metrópole como agressões gratuitas de uma tirania corrupta.

Em face do clima político em plena ebulição, Westminster revogou todos os impostos incidentes sobre importações pelas colônias, exceto um: o imposto sobre o chá, produto importado do Oriente.
Pois bem. Em 1773, almejando resolver os problemas financeiros que solapavam a Companhia das Índias Orientais, uma imensa quantidade de chá foi enviada às colônias americanas – tudo agravado com o infame imposto de importação.

Este foi o estopim para o evento que ficaria conhecido como Tea Party, ou Festa do Chá - que se tornaria o Partido do Chá, denominação usada para o Partido Conservador americano. Este fato ocorreu em Boston, cidade da então colônia de Massachusetts. Um grupo autodenominado de patriotas invadiu uma embarcação que transportava chá, todos fantasiados de índios nativos, e jogaram toda a carga no mar.

Indignados com a atitude rebelde, o governo inglês impôs medidas repressivas contra a colônia de Massachusetts. Em resposta, os representantes das colônias realizaram o Primeiro Congresso Continental, onde decidiram por banir todas as importações oriundas da Grã Bretanha. Essa medida levou a um inevitável conflito armado, em 19 de abril de 1775, quando soldados britânicos que procuravam um depósito de armas dos colonos trocaram tiros com fazendeiros rebeldes.

Os colonos passaram imediatamente a serem considerados inimigos: o rei George enviou tropas inglesas, com reforço de mercenários alemães, para darem um fim nas convulsões sociais que despontavam.

Diante daquela declaração de guerra, um Segundo Congresso Continental teve lugar, em setembro de 1775. Em 1776, no dia 4 de julho, as treze colônias endossaram um documento: a Declaração de Independência.

Bom, como se sabe, declarar a independência exige coragem; conquistá-la, exige sangue. A Grã Bretanha era àquela altura o maior império do planeta, contava com a maior marinha e tinha colônias em torno de todo o Planeta. Suas forças militares eram disciplinadas, bem treinadas, muitíssimo bem aparelhadas e, como se não bastasse, um número significativo de colonos permaneceram fiéis à Coroa e até lutaram ao lado dos soldados ingleses.

Entretanto, nem mesmo esses motivos intimidaram os bravos “ingleses nascidos livres”. Organizaram-se em milícias (os patriotas), que foram treinadas e tornadas tropas eficazes pelo seu comandante, George Washington (primeiro presidente dos EUA). Duas enormes vantagens estavam ao lado dos milicianos: conheciam muito bem o terreno em que seriam disputadas as batalhas e dispunham de linhas de abastecimento rápidas e confiáveis, enquanto seus adversários tinham de cruzar o Atlântico.

Quando, em 1777, os empedernidos colonos derrotaram os cambaleantes ingleses em Saratoga, os franceses se uniram aos rebeldes e transformaram aquela luta de independência numa nova guerra imperialista que opunha os dois maiores inimigos do século XVIII.

Então, 1783, a Grã Bretanha foi obrigada a reconhecer a independência das 13 Colônias, após a assinatura do Tratado de Paris – e de uma lágrima escorrida dos olhos lacrimejantes de um incrédulo William Pitt.

Nasciam então os Estados Unidos da América. Mas logo ficaria claro que o fim da guerra marcava o início de uma longa discussão acerca do tipo de nação que fundariam. O grande ponto de discórdia era a existência de um governo central – não queriam trocar uma tirania por outra. Os Artigos da Confederação, desde 1781 previam a  união dos Estados, mas muitos Estados (ex-colônias) relutavam se submeterem às decisões do governo central. Duas facções se engalfinhavam: os federalistas, que pregavam a favor de um governo central forte; e os antifederalistas, que temiam a perda de autonomia dos estados.

Em 1787, uma Convenção Constitucional realizada na Filadélfia chegou a um meio termo e redigiu uma Constituição Federal. Este livro foi redigido por um jovem agricultor da Virgínia: Thomas Jefferson (terceiro presidente dos EUA). Embora escravagista e contrário à industrialização do país, expressou sentimentos liberais e profundamente humanos  quando fez constar: “Consideramos que essas verdades são evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais; que são dotados por seu Criador de direitos inerentes e inalienáveis; que entre eles estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade...”

Da queda-de-braço entre federalistas e antifederalistas, os primeiros saíram-se vitoriosos. A República dos EUA nasceu na forma de um governo central forte, separado em três Poderes independentes e harmônicos, sob a vigília atenta e perene dos estados e do povo.

A Constituição foi ratificada em 1788. A conciliação com os antifederalistas deu vazão à Declaração de Direitos, composta pelas 10 primeiros Emendas à Constituição: estavam garantidos a liberdade de religião, de opinião, de imprensa, o devido processo legal, dentre outros.

Todavia, um ponto permaneceu obscuro e as rusgas surgidas em torno dele marcariam os próximos 100 anos daquela República recém-nascida: a escravidão.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de História do Mundo”

terça-feira, 2 de outubro de 2018

FIB, A FELICIDADE TAMBÉM ENCHE BARRIGA?



Nos anos 1970, insatisfeito com as estatísticas econômicas do pequeno reino que comandava, o rei do Butão resolveu limpar o tabuleiro e instituiu novas medidas, que julgava mais compatíveis com o que pensava ser importante para sua população. Desta medida surgiu o FIB – Felicidade Interna Bruta, em oposição ao já tradicional PIB – Produto Interno Bruto. Surgia a economia da felicidade.

É indiscutível que, materialmente, a humanidade tem pouco do que reclamar: os níveis de renda e de riqueza crescem continuamente, exceto por pequenos intervalos marcados por guerras e tragédias, ainda assim de efeito limitado geograficamente. Mas é fato que mesmo a população dos países ricos tem dado provas de crescente insatisfação nos últimos 50 anos.

Embora a riqueza seja a medida de progresso desde os tempos de Adam Smith, pelo menos, cujos indicadores são facilmente mesuráveis – desemprego, expectativa de vida, desigualdade, renda , a ideia de que a felicidade é uma medida de progresso remonta a Thomas Jefferson que, em 1776, determinou que todos os americanos deveriam ter o direito à “busca da felicidade” – ou right to pursuit of hapiness, conforme a Constituição norte-americana.

Outro liberal-iluminista preocupado com a questão, Jeremy Bentham criou a filosofia do utilitarismo – teoria filosófica que se opõe ao egoísmo, na medida em que prega que uma ação só pode ser considerada moralmente correta se suas consequências promoverem o bem-estar coletivo - e declarou que os humanos deveriam buscar a “maior felicidade para o maior número” de indivíduos.

E quanto ao Butão, seus cidadãos hoje são felizes pedintes e mendicantes? Não. Desde que adotou o FIB, o país tem visto seu PIB decolar. Em 2007, foi o segundo país que mais cresceu no mundo (em 2008, esse número alcançou invejáveis 17,9%).

As medidas que põem o país ao encontro de seus objetivos incluíram reservar 60% do território nacional às florestas, limitar o número de turistas. Além disso, fortes políticas de distribuição de renda e eliminação da pobreza foram adotadas.

Os resultados das medidas de felicidade no Butão apontam para resultados satisfatórios: em 2005, apenas 3% dos cidadãos não se diziam felizes. Mais de 50% se consideravam muito felizes. Embora todos sejam capazes de reconhecer que medir a felicidade é mais difícil do que medir indicadores quantitativos óbvios, como nível de riqueza ou expectativa de vida, progressos observados na tecnologia de mapeamento cerebral tornaram-no capaz de identificar a região do cérebro estimulada pela felicidade.

Alguém poderia alegar, cinicamente diga-se, que ao aumentar o nível de renda geral, o nível de felicidade acompanharia esse eventual enriquecimento. Mas décadas de medições levaram a conclusões um tanto diversas. Sabe-se que quando a pessoa passa da pobreza para a riqueza, seu nível individual de felicidade aumenta; mas à medida que seu nível de riqueza atinge patamares mais altos, seu nível de satisfação passa a retornos decrescentes. Segundo o economista britânico Richard Layard, o patamar que leva ao maior nível de felicidade é uma renda média nacional de cerca de US$ 20 mil.

A explicação para essa reação tão humana pode estar no chamado “ciclo hedonista”: o novo nível de riqueza rapidamente passa a ser considerado patamar básico, o que leva a mais aspirações em busca de satisfação. Pesquisas têm mostrado que, atendidas as necessidades básicas, o indivíduo para de  se ocupar apenas com suas necessidades e passa a ter outros indivíduos como parâmetro: seu salário o deixará feliz se for superior ao do seu cunhado. O resultado coletivo disso é que o excesso de informação das sociedades atuais tem levado à redução da felicidade geral, na medida em que o estilo de vida dos ricos e famosos deprime aqueles que não têm acesso àqueles bens – isto é, a grande maioria da sociedade.

Os resultados interessantes trazidos pela economia da felicidade estimularam autoridades da China, da Tailândia, da Austrália, do Reino Unido e de muitas outras nações a buscarem uma medida internacional comparativa. Uma medida utilizada pela New Economics Foundation, chamada de “índice planeta feliz”, que combina satisfação com a vida, expectativa de vida e pegada ecológico entre as medidas, tem despertado discussões interessantes. Em 2006, a ilha de Vanuatu, localizada no Pacífico, ficou em primeiro lugar. Em seguida vieram Colômbia e Costa Rica; Burundi, Suazilândia e Zimbábue ficaram nas últimas colocações. Quase todos os países ricos ficaram na metade inferior do ranking.

Algumas políticas públicas adotadas em diversos países têm o índice de felicidade em seu gene. Por exemplo, os impostos progressivos que alcançam as rendas mais elevadas têm o efeito de diminuir o “nível de inveja geral” e, por consequência, aumentam o nível de felicidade. Até medidas para estimular eleitores a irem votar são pensadas de acordo com a felicidade que trará, eventualmente.
Como tudo nesse mundo, a economia da felicidade tem seu lado sombrio. De acordo com a psicologia, fatores de infelicidade, como descontentamento e inveja, podem ser positivos sobre a formação da personalidade das pessoas. Muitos também questionam a justificativa moral de se exigir um governo que busque a felicidade nacional.

Por fim, o próprio Butão deu mostras de como a felicidade pode ser questionável. Em 1990, o Butão expulsou mais de 100 mil pessoas do país por pertencerem a uma etnia diversa daquela que governa o país. Diante do aumento da felicidade nacional decorrente de tamanha violência contra os direitos humanos, não deixa de ser curioso de se a Alemanha nazista teria boas medições no índice de felicidade do país.


Rubem L. e F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de Economia: que você precisa conhecer”

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

PAÍS RICO, PAÍS POBRE – O QUE O RICO NÃO ENSINA AO POBRE SOBRE DINHEIRO



O período da Guerra Fria trouxe um fenômeno tão imprevisível de generosidade bastante interesseira: as duas superpotências, EUA e URSS tiveram de tratar as nações mais pobres do mundo, à época agrupadas sob a denominação de Terceiro Mundo, denominação essa forjada por Mao Tsé Tung, com largos sorrisos e uma mão estendida. Temendo vê-la se bandear para o lado inimigo, disponibilizavam às mesmas imensas quantias de dinheiro, fosse para um ditador africano, como Mobuto, do Zaire, fosse um ditador latino, como o chileno Augusto Pinochet. O que importava era fechar as portas para os interesses do oponente.

Pois bem, a “queda do Muro” pôs um ponto final a essa política do mundo bipolar. Não eram poucas as nações que somente conseguiam fechar suas contas após os aportes da potência aliada.

Não se pense que essa foi a realidade de todos os países, em toda parte. Países como a China aproveitaram o período de bonança para atrair imensos investimentos estrangeiros, que lhe garantiram um parque industrial invejável, base para décadas de crescimento vertiginoso. O sucesso da China foi precedido por diversos outros países asiáticos (como Japão e Cingapura) e foi simultâneo ao da Índia.

Se o mundo pós-II Guerra era composto por 1/5 de países ricos e 4/5 de países pobres, o mundo pós-Guerra Fria apresentava um aspecto um tanto diferente: 1/5 de ricos, 3/5 de emergentes e 1/5 de pobres. Este último grupo, batizado por Paul Collier de “o bilhão de baixo”, costuma suscitar maiores preocupações sociais e humanitárias.

Mas uma pergunta fundamental resta sem resposta: o que um país deve fazer para se tornar rico? Não há respostas prontas, apenas hipóteses e especulações. Alguns culpam o clima e a geografia, que influenciam a qualidade das colheitas; outros acreditam que fatores culturais, como o modo de lidar com a propriedade privada, são os que realmente desequilibram a balança para o seu lado; há quem veja o estado do progresso das instituições políticas como o fator que permite o enriquecimento do país; por outro lado, muitos creem que se tornar um país rico é puro acaso, um acidente na história; por sua vez, há quem veja isso como uma manifestação do destino – um destino manifesto.

Caso a desigualdade entre países seja analisada à luz da história, somente após a Revolução Industrial, cujo estopim foi deflagrado na Inglaterra de meados do século XVIII, este desnível atingiu proporções relevantes. A pequena valeta descambou em abismo no caso de diversos países da África subsaariana. Séculos de exploração e expropriação de riquezas minerais e agrícolas, iniciadas ainda em épocas medievais e tendo por base a escravidão de tribos inimigas relegaram o continente ao fundo do abismo das desigualdades planetárias.

Embora diversos países africanos tenham encontrado o rumo do progresso, a África subsaariana convive com agricultura de subsistência, com localidades cujos índices de mortalidade são equiparáveis aos da Europa pré-Reforma Protestante. Tudo posto, soma-se a isso a epidemia da Aids e temos uma expectativa de vida média de meros 50 anos de idade.

Com a intenção de orientar o desenvolvimento do mundo, as Nações Unidas estabeleceram em 2001 os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os ODM, que deveriam ser alcançados até 2015. Eram eles: erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Embora nem todos tenham sido alcançados, os resultados em nível planetário foram encorajaram a edição de um novo conjunto de objetivos para os próximos anos.

Collier procurou, ao lado do esforço para entender as atitudes que levam ao enriquecimento, listar as armadilhas que levam os países ao fundo do poço do progresso: Guerra Civil (vide Síria, Líbia etc.); a Doença Holandesa, ou a armadilha dos recursos naturais (vide Venezuela); Desvantagens geográficas (vide Bolívia, sem saída para o mar); Maus governos (não tenho dedos para contar...).

O modo de lidar com a pobreza em escala planetária já sofreu vários revezes: desde organismos multilaterais, como Banco Mundial e Nações Unidas, a ONGs, como Oxfam, muito tem se tentado. Mas nenhum aporte de donativos é capaz de mudar a estrutura produtiva desses países. Apenas o comércio internacional, com pequenas vantagens, como erguimento de barreiras comerciais que os protejam da enxurrada de importados e a isenção de tarifas na importação de seus produtos por países ricos pode trazer a superação da pobreza de maneira decisiva.

E quem mais tem dado contribuições nesse sentido, mormente no caso da África, é a China, fomentando obras de infraestrutura em países que ela considera estratégicos para suas aspirações políticas e econômicas.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “50 Ideias de Economia: que você precisa conhecer”