É natural que se relacione uma teoria com o local em que esta
veio à luz. Portanto o locus do nazismo é a Alemanha da República de Weimar; o
locus do fascismo é a Itália pós-I Guerra Mundial, a monarquia encabeçada pelo
rei Vittorio Emanuel.
Uma dificuldade para que se conceitue o fascismo é o fato de
que seu criador, Mussolini, não se preocupou em momento algum em dar maior consistência
intelectual à sua fétida teoria. Portanto, analisar o fascismo, e seu filho
ainda mais diabólico, o nazismo, é, antes de tudo, analisar a trajetória histórica
nefasta de ambas.
Embora o Brasil seja um país recente na história da
humanidade, cuja independência remonta a 1822, tanto a Itália quanto a Alemanha
são ainda mais recentes como nações independentes. Em meados do século XIX
ocorreram transformações intensas do mapa da Europa, causadas pelo desmoronamento
de antigos e caducos impérios – caso do império turco-otomano. Nesse ambiente de
transformações surgiram dois Estados, poderosos desde o berço: Alemanha e
Itália, ambos entre os mais ricos, industrializados e populosos de toda a
Europa desde o primeiro dia de suas existências.
Ambos os Estados eram conformados por reinos independentes e
teimosamente beligerantes, diversos deles possuíam inclusive moeda e leis
próprias, contudo compartilhavam línguas muito semelhantes e pertenciam ao
mesmo grupo étnico. A partir do século XIX se tornou comum identificar povos
por sua nacionalidade, isto é, todos deveriam fazer parte de uma nação, e o
principal critério era a língua local.
Para o reforço dessa identidade nacional, artistas lançavam
mão de mitos e lendas de um pseudo-passado remoto, exposto em músicas
folclóricas e que deram origem a tradições cuja ancestralidade é mais do que
questionável.
A unificação italiana partiu do Reino do Piemonte, no norte
da Península Itálica. Era o reino mais rico e mais industrializado da região.
Desde 1852, seu primeiro-ministro, Camillo di Cavour, deu início a ações de
diplomacia e de guerra que levaram à fundação do Reino da Itália, em 1861. O
rei do Estado nascente era o rei do Piemonte, Victor Emmanuel II – Roma seria
anexada em 1870.
No caso da Alemanha, o Estado a liderar o movimento de
unificação dos reinos germânicos (a maior parte dos quais fazia parte do
império Austro-Húngaro) foi a Prússia, cujo primeiro-ministro, Otto von
Bismarck, usou das mesmas táticas diplomático-beligerantes, que incluíram a
fomentação de três guerras, para unir os Estados e Reinos germânicos em torno
de um ente nacional apenas. Tendo amealhado um conjunto invejável de vitórias
na execução de seu intento, em 1871, Bismarck viu o rei da Prússia, Guilherme,
ser entronado como kaiser do Império Alemão. O novo império surgia com o
domínio sobre as regiões da Alsácia e da Lorena, cuja posse seria um dos
fatores a desencadear a I Guerra Mundial.
Pois bem. O surgimento de Estados fortes e industrializados a
disputarem a liderança econômica num mundo dividido entre Impérios europeus
poderosos levou a um fim inexorável: a I Guerra Mundial. O fim daquela
carnificina revelou um continente agora exausto, paupérrimo, povoado por seres
amargurados, muitos dos quais soldados ressentidos com seus governos, os quais
julgavam fracos e não confiáveis, sem falar naqueles que sentiam não terem
feito o bastante pelos milhões de irmãos que viram perecer nos campos de
batalha.
Isto é: os esforços empregados ao longo dos quatro anos
infernais do conflito pareciam ter sido em vão; o retorno da paz trazia consigo
políticos repudiados pelos cidadãos; a democracia se mostrava inútil frente desgraça
do conflito que não foi capaz de evitar. Só um desejo parecia ecoar desse monte
de entulhos que se tornara a civilização: um líder forte, carismático, que
pudesse unir a Nação, tirá-la do lamaçal e lança-la rumo ao progresso e à
riqueza material.
Esse foi o locus originador da, talvez, mais ignóbil teoria que
uma mente doentia poderia arquitetar. De raízes nacionalistas e militaristas, o
fascismo deitou raízes em todo o continente europeu nas décadas de 1920 e 1930,
mas tomou de assalto especialmente a Alemanha e a Itália.
Em face de sua aridez intelectual, o fascismo foi adquirindo
aspectos locais onde quer que fosse praticado – por exemplo, o antissemitismo
foi mais forte na Alemanha do que na Itália. Mas em alguns aspectos eles
concordavam: o fascismo é autoritário e violento, a xenofobia faz-se sempre presente;
o ódio às minorias étnicas é uma constante; assim como o repúdio total a
socialistas, comunistas, liberais, democratas; o desejo de conquistas militares
é outro aspecto sempre presente no diversos fascismos postos em ação.
O temor de uma Revolução Comunista atingia especialmente a classe
média europeia: após a Revolução russa de 1917, um evento semelhante em seu
solo tirava o sono dos mais abastados. Esse temor jogou essa classe social nos
braços da extrema-direita. Essa extrema-direita na Itália era representada pelo
partido político Fasci di Combattimiento – ou simplesmente os fascistas. A
palavra “fascismo” deriva da palavra latina “fasces”, como se chamava um feixe de
varas, amarrado fortemente e que servia como cabo para um machado comumente
carregado por magistrados da Roma Antiga, como símbolo de seu poder. Trata-se
de uma metáfora, segundo a qual o povo bastante unido é mais forte, assim como
varetas podem se tornar rígidos cabos de machados.
Em 1922, um jornalista italiano, até pouco tempo antes
filiado ao partido socialista italiano, partido aliás que dominava a política
italiana após a I Guerra Mundial, chamado Benito Mussolini, liderou 25 mil
filiados ao seu partido (portanto, fascistas) vestidos de camisas pretas numa
marcha que atravessou toda a cidade de Roma. O impacto daquela demonstração de
poder foi tamanho que o rei Victor Emmanuel II delegou a Mussolini plenos
poderes para formar um governo nos moldes que melhor desejasse. Após liquidar
todos os demais partidos, nascia a ditadura fascista, liderado por Mussolini,
agora ostentando seu pretensioso título de Il Duce (o líder).
A história não transcorreu de maneira muito diversa na
Alemanha. O fim do conflito mundial levou grupos de esquerda a disputarem o
poder, sendo o partido comunista alemão um dos mais presentes na política
nacional. Mas seus adversários de direita não se davam por vencidos.
Em 1923, um dos muitos partidos de extrema-direita, o
Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cujos membros eram
denominados nazistas, impetrou um golpe contra o governo da Baviera num
episódio conhecido como Putsch da Cervejaria, na cidade de Munique. O líder do
malfadado golpe era um ex-cabo do exército alemão, Adolf Hitler, que passou
alguns anos preso, quando escreveu um livro, Mein Kampf (ou Minha Luta), em que
expunha seus mais íntimos pensamentos racistas: ao logo de seus páginas, Hitler
definia o que denominava de “Untermenschen”, ou “sub-humanos” - em oposição à “raça
ariana”, conformada por loiros de olhos azuis e descendentes de germânicos ou
nórdicos. Eram eles africanos, eslavos, ciganos, judeus, dentre outros. Ao
apagar das luzes da II Guerra Mundial, os nazistas haviam dado cabo à vida de
mais de 14 milhões de “Untermenschen”.
Outro conceito apresentado por meio do seu livro era
denominado Lebensraum, ou “Habitat”: era a posse das terras cultiváveis da
Rússia ocidental, que garantiriam os recursos necessários para que a “raça
ariana” desenvolvesse seu tipo almejado de sociedade.
Outro ponto abordado por Hitler foi o ressentimento que os
alemães sentiam pelos termos severos do Tratado der Versalhes, que havia jogado
grande parte dos custos e indenizações da I Guerra Mundial nas costas dos
alemães. Em decorrência disso, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas comuns
se avolumavam. Outra provocação lançada pela obra foi o boato de que o exército
alemão não havia sido derrotado nos campos de batalha, mas por políticos
democratas que traíram a nação quando havia plenas chances de vitória.
Quando os impactos da Crise de 1929 alcançaram a Alemanha,
Hitler declarou que responsabilidade por
aquela hecatombe financeira era de banqueiros judeus. A popularidade dos
nazistas subia incontida. Nas eleições de 1932, os nazistas conseguiram se
tornar maioria no Reichstag (Parlamento alemão) e Hitler saiu ddas eleições
legislativas como o novo chanceler, assumindo o cargo em janeiro de 1933.
Em fevereiro, ocorreu o que mais se temia. O prédio do Parlamento
amanheceu em chamas e os nazistas logo agiram para pôr a culpa nos comunistas,
que passaram a ser perseguidos pela polícia. Logo depois passaram a fazer o
mesmo com o restante da oposição. Já em agosto de 1934 não restava mais nenhum
partido, exceto os nazistas, e seu líder, Hitler, passou a ser designado como “Fuhrer”
(Líder). Para garantir os desígnios do grande líder, o partido nazista contava
com polícia secreta, a Gestapo, e com paramilitares, a SS. Todos os desafetos
estavam automaticamente na mira dessas duas corporações fascistas.
Se Hitler ambicionava a construção de um Reich (Reino) de
perduraria por mil anos, Mussolini sonhava com a reconstrução do Império
Romano. Em 1935, Il Duce decidiu invadir o reino africano da Abissínia, atual
Etiópia. Embora agisse contra a decisão da Liga das Nações, primeira edição da
ONU e criada após a I Guerra Mundial, Mussolini não recuou nem mesmo quando a Liga
decretou sanções econômicas contra a Itália.
Aliás, agir contra a decisão da Liga (relembrando,
instituição antecessora da ONU e criada nos mesos moldes daquela) foi uma atitude
igualmente adotada pela Alemanha nazista em 1934, após se retirar da Liga em
1933 e reintroduzir o recrutamento de soldados e o reaparelhamento de suas
Forças Armadas, medidas vedadas pelo Tratado de Versalhes.
O passo seguinte do almejado Reich milenar foi a expansão
territorial baseada em critérios nacionalistas: onde quer que se falasse
alemão, Hitler julgava ser Alemanha. Iniciando pela Áustria, a Alemanha
promoveu sua anexação, a Anschluss (união), medida também vedada pelo Tratado
de Versalhes; depois, passou à região dos sudetos da Tchecoeslováquia,
habitadas primordialmente por falantes de alemão; diante da total falta de
contraposição, Hitler terminou por anexar a Tchecoeslováquia toda e completou
sua obra de provocação anexando a Polônia à sua Alemanha anabolizada.
Esta foi a gota d`água que fez o copo da II Guerra Mundial
transbordar.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “50 Ideias de História do Mundo”