Estádio Rasunda, Suécia, 1958. Palco da final da Copa de
1958, transcorridos apenas 4 minutos de jogo, a perspectivas que pareciam
difíceis pioraram significativamente. O gramado estava encharcado após o aguaceiro
que se abateu sobre Estocolmo durante a noite anterior.
Se a equipe brasileira parecia atolada em campo, os suecos
demonstravam uma impressionante habilidade para deslizar no aguaceiro,
empurrados pelos gritos ensurdecedores da torcida da casa. Os favoritos não
queriam dar esperanças aos adversários. O técnico inglês George Raynor já havia
derrotado os então campeões do mundo, a Alemanha ocidental, e cortado as asas
dos soviéticos.
Além de estarem muito bem organizados, os suecos eram
habilidosos com a bola nos pés. Fizeram o primeiro gol da partida logo aos 4
minutos. Jogada plástica: lançamento, infiltração, passe para o capitão Nils
Liedholm. O craque domina a bola, dribla Orlando, aproveita e deixa Bellini
para trás também. Depois de dominar a bola, chuta no canto de Gilmar.
Gol digno dos melhores craques brasileiros daquela época.
Enfim, jogadores disciplinados, bem organizados, psicologicamente bem
preparados e que sabiam jogar bonito. O Brasil parecia ter uma tarefa hercúlea,
quase impossível pela frente.
Vinte anos antes, na França, o Brasil caía nas semifinais contra
a Itália após um penalty inexplicável de Domingos da Guia. Em 1950, o Brasil
caía frente ao Uruguai na última partida, quando necessitava de apenas um
empate para se sagrar campeão do mundo. Em 1954, o Brasil encenou um vexame de
proporções diplomáticas. Após ser dominado pela qualidade superior da seleção
húngara, o Brasil perdeu o autocontrole e deu início a uma briga generalizada
em campo, que deixou uma imagem péssima do Brasil para o resto do mundo.
Em 1956, quando pisou pela primeira vez em Wembley, a
seleção brasileira caiu frente à seleção inglesa.
Nada mais natural do que divulgarmos para todo o mundo
nossas limitações emocionais, mais uma vez. E essa limitação psicológica, em
muito, era devida à presença massiva de jogadores negros e mulatos no plantel
tupiniquim, diziam os críticos.
Pois bem, Valdir Pereira, o inesquecível Didi, não parecia acreditar
nessa teoria. Negro, 29 anos à época, fizera parte da derrota na Suíça, em
1954. Foi ele quem, em campo na final de 1958, viu a rede brasileira ser
balançada e, calmamente, pegou a bola das mãos do zagueiro Bellini e a pôs no
centro de campo. Quando se viu cercado pelos seus ansiosos companheiros, disse
sua frase lapidar:
- Vamos lá, acabou a moleza. Vamos encher esses gringos de
gols!
E foram! Didi passa para Vavá, que devolve, Didi lança na
ponta direita para Garrincha, que domina avança e chuta cruzado... quase gol!
Mas foi o início da demolição dos argumentos mais preconceituosos acerca do
futebol bretão e a incapacidade de negros e mulatos o praticarem com perfeição.
Didi encarnava o Zumbi e a seleção brasileira era seu quilombo. Ele veio para
libertá-lo das correntes do racismo mais entranhado.
Mas outros negros perfilados naquele escrete se
encarregariam de pegar em armas ao lado
de Didi. E igualmente fariam história.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Campeões da raça: negros da Copa de 1958”
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