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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

CHUTANDO O PRECONCEITO COPA A FORA



Estádio Rasunda, Suécia, 1958. Palco da final da Copa de 1958, transcorridos apenas 4 minutos de jogo, a perspectivas que pareciam difíceis pioraram significativamente. O gramado estava encharcado após o aguaceiro que se abateu sobre Estocolmo durante a noite anterior.

Se a equipe brasileira parecia atolada em campo, os suecos demonstravam uma impressionante habilidade para deslizar no aguaceiro, empurrados pelos gritos ensurdecedores da torcida da casa. Os favoritos não queriam dar esperanças aos adversários. O técnico inglês George Raynor já havia derrotado os então campeões do mundo, a Alemanha ocidental, e cortado as asas dos soviéticos.

Além de estarem muito bem organizados, os suecos eram habilidosos com a bola nos pés. Fizeram o primeiro gol da partida logo aos 4 minutos. Jogada plástica: lançamento, infiltração, passe para o capitão Nils Liedholm. O craque domina a bola, dribla Orlando, aproveita e deixa Bellini para trás também. Depois de dominar a bola, chuta no canto de Gilmar.

Gol digno dos melhores craques brasileiros daquela época. Enfim, jogadores disciplinados, bem organizados, psicologicamente bem preparados e que sabiam jogar bonito. O Brasil parecia ter uma tarefa hercúlea, quase impossível pela frente.

Vinte anos antes, na França, o Brasil caía nas semifinais contra a Itália após um penalty inexplicável de Domingos da Guia. Em 1950, o Brasil caía frente ao Uruguai na última partida, quando necessitava de apenas um empate para se sagrar campeão do mundo. Em 1954, o Brasil encenou um vexame de proporções diplomáticas. Após ser dominado pela qualidade superior da seleção húngara, o Brasil perdeu o autocontrole e deu início a uma briga generalizada em campo, que deixou uma imagem péssima do Brasil para o resto do mundo.

Em 1956, quando pisou pela primeira vez em Wembley, a seleção brasileira caiu frente à seleção inglesa.

Nada mais natural do que divulgarmos para todo o mundo nossas limitações emocionais, mais uma vez. E essa limitação psicológica, em muito, era devida à presença massiva de jogadores negros e mulatos no plantel tupiniquim, diziam os críticos.

Pois bem, Valdir Pereira, o inesquecível Didi, não parecia acreditar nessa teoria. Negro, 29 anos à época, fizera parte da derrota na Suíça, em 1954. Foi ele quem, em campo na final de 1958, viu a rede brasileira ser balançada e, calmamente, pegou a bola das mãos do zagueiro Bellini e a pôs no centro de campo. Quando se viu cercado pelos seus ansiosos companheiros, disse sua frase lapidar:

- Vamos lá, acabou a moleza. Vamos encher esses gringos de gols!

E foram! Didi passa para Vavá, que devolve, Didi lança na ponta direita para Garrincha, que domina avança e chuta cruzado... quase gol! Mas foi o início da demolição dos argumentos mais preconceituosos acerca do futebol bretão e a incapacidade de negros e mulatos o praticarem com perfeição. Didi encarnava o Zumbi e a seleção brasileira era seu quilombo. Ele veio para libertá-lo das correntes do racismo mais entranhado.

Mas outros negros perfilados naquele escrete se encarregariam de pegar em armas  ao lado de Didi. E igualmente fariam história.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Campeões da raça: negros da Copa de 1958”

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