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terça-feira, 13 de novembro de 2018

COELHOS, GUAICAIPURO, EMBARGOS E VENEZUELA: “O FUTURO É UMA CÂMARA DE GÁS”



Poucas crises internacionais tiveram mais publicidade no Brasil do que a crise econômica e política da Venezuelana. Quando os preços internacionais do petróleo despencaram após 2014, deixando o patamar anterior acima de U$ 100 para pouco mais de U$ 30, em 2016, o país se viu em meio a uma tempestade perfeita.

A crise política do início da década de 2000, que garantiu a permanência de Hugo Chavez no poder, após fracassada tentativa de detê-lo, levou ao poder um grupo político completamente destoante daqueles a que o cenário político Venezuelano estava acostumado. Identificado com bandeiras sociais, Chavez prometia combater a desigualdade e a pobreza extrema em seu país. Mas, com que dinheiro?

Essa pergunta foi respondida a partir de 2003. Quando da entrada da China na OCDE, tornando-se membro ativo do comércio internacional, o crescimento exponencial do gigante asiático elevou o preço internacional das commodities, entre elas o petróleo. Surgiram então os Golden Years dos países em desenvolvimento: saindo do patamar dos U$ 20, o petróleo bateu os U$ 140 em meados de 2008. A crise internacional de 2008 deixou sua marca, mas os preços internacionais se recuperaram rapidamente.

A riqueza que afluiu desse cenário foi usada para irrigar programas sociais e financiar obras públicas, que garantiram emprego e renda à população. De fato, a oposição política a seu governo minguava, a ponto de se utilizarem de veículos internacionais para “denunciar” uma eventual ditadura bolivariana, associando-a a governos de esquerda da América Latina, como Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Equador etc. Mas de nada adiantava. Note-se, contudo, que a dependência das rendas do petróleo não garantiu mais investimentos em exploração e produção. O petróleo produzido se manteve no mesmo patamar dos anos anteriores.  

Contudo, por volta de 2014, Arábia Saudita decidiu aumentar a sua produção de petróleo. Inevitavelmente, o efeito que se segue a essa decisão é queda dos preços internacionais. O motivo, provavelmente, era tornar inviável a produção de petróleo a partir de fontes alternativas, como o shale gas norte americano (cujo custo de produção é mais elevado). Mas o impacto sobre a renda dos países exportadores de petróleo foi dramático (a Arábia Saudita se preparou para a redução de preços acumulando elevadíssima reserva internacional).

No caso da Venezuela, o cenário que se armou foi apocalíptico. Dependendo da manutenção de programas sociais para conter a sanha da oposição, que contava com muitos dos principais empresários do país e que passou a lançar mão de artifícios como redução dramática de investimentos, redução da oferta de itens básicos, dentre outras táticas para tirar popularidade do governo eleito. Pretendendo não abrir mão de suas conquistas eleitorais, o governo manteve seus gastos sociais, o que desencadeou um processo dramático de inflação no país. E a espiral do descenso não parece ter um fim previsível.

A inflação que já atingiu o patamar histriônico de 1 milhão por cento e já demoveu mais de 2 milhões de venezuelanos de seu país. São refugiados transpondo fronteiras em direção à Colômbia, Peru, Equador, Panamá, ilhas caribenhas e até mesmo ao Brasil, embora em número bastante inferior aos demais, talvez pela diferença linguística.

Ao cenário acima, somam-se os bloqueis comerciais decretados pelos EUA e por países europeus. Este último obstáculo previne o país, notório importador de produtos industrializados, de conseguir de alimentos a medicamentos no mercado interno. Ainda mais grave é a impossibilidade de adquiri máquinas e equipamentos relacionados à indústria petroquímica. O resultado disso é o encolhimento vertiginoso da produção de petróleo: do pico de quase 3 milhões de barris em meados de 2014, o país já se encontra produzindo menos de metade desse valor.

Diversas medidas foram adotadas para lidar com a tragédia que se abatia sobre as contas públicas (o déficit orçamentário já supera os 20% do PIB). Uma das mais comentadas foi o lançamento de uma moeda digital estatal lastreada em barris de petróleo (embora muitos digam que foi uma maneira de competir com os Bitcoins, cuja adoção batia recordes no país). O lançamento das moedas no mercado primário ajudou a aliviar o peso sobre as contas públicas.

A Venezuela tem uma das maiores reservas de ouro do mundo, talvez a quarta maior, embora a produção esteja bem abaixo de suas potencialidades. Recentemente o governo lançou o programa de poupanças em ouro, usando barras certificadas de 1,5g e 2,5g. A compra desses certificados também injetou receitas nos cofres públicos.

Outra medida polêmica foi o incentivo à criação de fazendas urbanas. O presidente Maduro apareceu em cadeia nacional alimentando suas galinhas e colhendo seus ovos: a mensagem era clara, todos deveriam seguir o exemplo. Também se distribuíram coelhos para engorda e abate – mas os venezuelanos terminaram por adotá-los como pets. Difícil crer que isso mudaria a situação do país, mas pelo menos deu uma ideia do potencial criativo da mente humana...

Em agosto de 2018, finalmente foi adotada uma política mais ortodoxa: a moeda do país foi renomeada e foram-lhe cortados 5 zeros. Também se prometeram cortes de subsídios sobre a gasolina e outros produtos.

Mas tudo isso soou como uma gota d`água no oceano. Tendo dar conta de uma economia em frangalhos, despesas insustentáveis e um bloqueio internacional insuperável, a Venezuela só conseguiria respirar razoavelmente se contasse com o apoio de um país economicamente forte e disposto a estender a mão: surge então ao largo a China! Evidentemente ela trazia consigo o preço desse apoio.

Em setembro deste ano, Maduro esteve na China, para uma visita de quatro dias e que incluíam algumas providências, como a assinatura de 28 acordos bilaterais (em áreas tão diversas quanto energia, mineração, ouro, ferro, tecnologia, educação, saúde e cultura) e um empréstimo de 5 bilhões de dólares – além de acertos para a construção do quarto satélite venezuelano.

Foi a quarta visita de Maduro a Pequim, desde que assumiu a presidência, em 2013. Contudo, sem dúvidas, a que ocorreu em momento mais conturbado: Maduro enfrenta hostilidades de governos latino-americanos, subcontinente esse que viu a direita assumir o posto máximo em diversos países; os EUA ameaçaram a Venezuela com uma eventual intervenção militar para derrubar o governo constituído; sanções financeiras mais extremadas foram decretadas pelo governo de Donald Trump.
Os Yuans vertidos aos cofres venezuelanos são fundamentais para financiarem o “Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade”.

Mas os acordos internacionais buscados por Caracas incluem mais algumas nações na Ásia, no Oriente Médio e na Europa. Essa é a saída almejada para ter acesso a crédito externo, apesar das sanções financeiras. Conforme as palavras de Maduro aos líderes chineses: “Eu tive de superar as sanções econômicas decretadas pelos EUA e pela Europa, que perseguem contas bancárias do governo venezuelano, sequestram bilhões de dólares e contas no estrangeiro e bloqueiam nosso comércio”.

Outro empréstimo de U$ 5 bilhões foi concedido especificamente para retomar a indústria petrolífera do país. É um alívio, após uma queda vertiginosa na produção, ações judiciais internacionais e desvio de dinheiro em inúmeros casos de corrupção. Existe ainda a possibilidade de se renegociarem os termos de empréstimos anteriores.

Os recursos devem ser investidos em inúmeras companhias na região do Orinoco, que tem 300 poços de petróleo prontos para a exploração, possivelmente contendo 31,2 bilhões de barris.
Quanto ao preço cobrado pelo governo chinês... bom: 9,9% das ações que a PDVSA, estatal de petróleo do país, detinha junto à SINOVENSA, consórcio sino-venezuelano, foram cedidos à CNPC – Chinese National Petroleum Consortium. A SINOVENSA produz 130 mil barris de petróleo na Venezuela atualmente.

Não são poucas as denúncias de que a Venezuela está privatizando sua produção petrolífera para empresas chinesas.

Outro objetivo almejado pelo governo AMduro é tomar parte no projeto “Nova Rota da Seda”. Estipulado em algo em torno de 900 bilhões de dólares, este projeto visa unir Europa, Ásia e Oriente Médio por emio de rotas econômicas e marítimas, abarcando 60 países, 75% das reservas de energia do mundo e 70% da população mundial. A Venezuela é o segundo membro latino-americano, seguindo logo atrás do Uruguai.

Outro ponto essencial foi a construção do satélite Guaicaipuro – nome de uma importante liderança indígena a dificultar a invasão espanhola. É o quarto, sucedendo ao Bolívar, Miranda e Sucre. A tecnologia é inteiramente chinesa e Venezuelana.

A impossibilidade de importar medicamentos (especialmente insulina e antirretrovirais) foi amenizada com o acordo firmado com a Meheco, empresa de medicamentos chinesa.
O Comitê de supervisão desses acordos conta, atualmente, com 124 firmas chinesas e 49 venezuelanas.  

Importante notar que a Venezuela tem os EUA como principal mercado para seu petróleo desde que se encontrou petróleo no país, nos idos da década de 1930. As crises recentes têm reduzido significativamente a quantidade de óleo cru que chega aos portos norte americanos, a ponto de refinarias especializadas em processar o petróleo da Venezuela terem de substituí-lo pelo petróleo de outras partes, como México, Colômbia e Argentina. Este movimento demonstra como a Venezuela está se descolando da influência do Hemisfério Ocidental e se movendo para o Oriente.

Em outubro passado, uma notícia acrescentou mais um ator importante ao caldo que já se formava: a Rússia tomou parte numa reunião, ao lado do governo chinês, tendo como objetivo a recuperação econômica da Venezuela. A reunião se deu com a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez.

A Rússia já tomou a iniciativa de enviar especialistas econômicos a Caracas para assessorarem o governo Maduro. Essas informações coincidem com testemunhos de brasileiros que garantiram terem visto inúmeros assessores russos e chineses junto aos principais integrantes do governo Venezuelano.
Por todo o acima exposto, tendo-se em mente os recentes desentendimentos envolvendo EUA e China em torno do comércio bilateral, é de se temer que futuros enfrentamentos bélicos descambem para uma guerra ao norte do Brasil. Se houver, que não envolva armas nucleares.

Enquanto isso, a Arábia Saudita anunciou a redução de sua produção de petróleo, o que põe os preços acima de 80 dólares, de maneira sustentável. Caso a produção venezuelana retome, muito da tragédia econômica e humanitária atual deverá ficar para trás.


Rubem L. de F. Auto


Fontes:

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