Em 1700, Londres já era o coração fervilhante e em franco crescimento
da Inglaterra. A cidade, com pouco mais de meio milhão de habitantes, era o
centro de negócios, do comércio, da sociedade e da política do império inglês –
além de contar com o maior porto do país.
Inicialmente confinada a suas pouco reconfortantes muralhas,
por essa época já havia estendido seus limites para além delas, chegando a
Westminster, cerca de 5 quilômetros acima, pelo Tâmisa, locus do Parlamento e
da residência oficial da rainha Anne; seguindo Tâmisa abaixo, Londres alcançava
o estaleiro da Marinha Real, em Rotherhitte.
A Londres em foco era uma cidade renovada, após o trágico
incêndio de 1666. Seu horizonte era pontuado por torres de igreja, como a da cúpula
da Catedral de São Paulo. Becos medonhos e casas precárias de madeira, ainda de
tempos medievais, eram aos poucos substituídos por edifícios de tijolos em ruas
pavimentadas e bastante concorridas.
O comércio rompante bradava ao som de carrinhos de mão,
cascos de cavalos e dos rebanhos de gado e ovelha destinados aos mercados de
carne do centro londrino. Lojas e bancas se enfileiravam nas ruas e praças,
chegando mesmo a ocupar as vias públicas, atrapalhando o fluxo em direção à
Ponte de Londres, única via de acesso à cidade.
O rio Tâmisa se constituía numa das principais vias
arteriais de Londres. A partir da Ponte de Londres, barqueiros remavam suas
embarcações carregadas de passageiros e cargas rio acima, rio abaixo e de uma
margem a outra.
No Tãmisa eram descarregados os resíduos fétidos de uma
cidade caótica: fezes e urina de mais de meio milhão de pessoas eram
descarregados dos penicos em direção às águas daquele rio; sangue e restos de
animais seguiam o mesmo caminho; gatos, cachorros, ratos tudo era descarregado
naquelas águas.
Tâmisa abaixo, o que se via eram milhares de navios de
grande porte pondo cargas abordo ou descarregando-as. Era uma miríade de
mastros, lado a lado e se estendendo por quilômetros. Montanhas de carvão de
Newcastle, montes de madeira do Báltico, pilhas de tabaco da Virgínia, toneladas
de açúcar das colônias caribenhas, carregamentos enormes de bacalhau salgado da
Nova Inglaterra e da Terra Nova (Canadá). O comércio intercontinental entrava
na sua melhor forma.
Descendo-se ainda mais pelo Tâmisa, chegava-se aos estaleiros
de Deptford e Rotherhithe, locus dos vasos da Marinha Real.
Pois bem. Entre o estaleiro e a Ponte de Londres, numa área
ribeirinha, localizava-se o malfadado bairro de Wapping, mais conhecido como “Wapping
do Lodo”. Área muito pobre, povoada por quem não tinha qualquer alternativa de
moradia, era um labirinto de casas depredadas cercadas por um pântano e pelo
rio, sujo e perigoso.
Dezenas de pessoas se acotovelavam em cômodos precários, em
meio a montanhas de lixo que se acumulavam. Pessoas jogavam seus excrementos
janela afora, emporcalhando as ruas, ao lado de cadáveres de animais que nunca
eram recolhidos. Defuntos eram depositados em covas rasas, que permaneciam
abertas até outros corpos ocuparem toda a vala. As chuvas tornavam o fedor
insuportável. O inverno trazia o risco de incêndios, haja vista o aquecimento
doméstico ser à base de carvão de má qualidade.
Embora cerca de oito mil pessoas engrossassem o contingente
populacional da cidade de Londres todos os anos, a mortalidade era de tal
magnitude que a população total praticamente não se alterava: oito mil pessoas
morriam, por ano, de infecções e disenteria, ao passo que febres e convulsões
vitimavam mais de oito mil no mesmo período. Mais de mil morriam de sarampo e
varíola. De 25 a 30% dos bebês morriam antes de completar um ano de vida.
Apenas metade chegava aos 16 anos de idade.
As ruas ficavam lotadas de crianças abandonadas. Autoridades
religiosas alugavam bebês a pedintes, vendiam-nos como escravos. Muitos
terminavam trabalhando como limpadores de chaminés, já que seus corpos
diminutos permitiam-lhes entrar pelos dutos, não poucas vezes quando o fogo
estava aceso. Sem máscaras ou qualquer outra proteção, muitos morriam de
doenças pulmonares ou contraíam cegueira, quando não morriam queimadas pelas
chamas. Havia os que se filiavam aos Guardas Negros, especializados em engraxar
coturnos de soldados da cavalaria. Dizia-se: “Da mendicância, eles passavam
para o roubo; e do roubo, para a forca.”
O abastecimento de água em Londres eram de tal ordem
ineficiente que preferia-se beber cerveja à água pública – crianças, inclusive.
A poucos minutos dali se localizava o estaleiro Roberts, de
onde se podia avistar a Doca de Execuções, local aonde o almirantado enviava os marinheiros condenados e os piratas
para o “ato final”. Era um dos momentos de maior diversão do cidadão comum. Milhares
se enfileiravam nas ruas, esperando para espiar a carroça que transportava os
prisioneiros. Na Doca, enfileiravam-se os curiosos sobre a lama fedorenta, das
quais despontavam as forcas.
Findos os enforcamentos, os corpos eram arrastados até o
lodo, amarrados e largados para serem cobertos pela maré. Por três vezes esses
corpos deveriam ser lavados pela maré alta até que enfim fossem levados embora.
Esses corpos eram entregues a cirurgiões, para dissecação, ou enterrados em
covas rasas. Mas os mais ameaçadores em vida eram cobertos por piche e
colocados em gaiolas de ferro penduradas em locais estratégicos: ficavam ali
para que marinheiros e barqueiros aprendessem a lição do que ocorria com os
piratas, depois de serem presos.
Mas isso tudo de muito pouco adiantava, veriam.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A República dos Piratas: a verdadeira história
dos piratas do Caribe...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário